segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Por que o Brasil erra ao apoiar Oviedo


A foto acima foi tirada na semana passada e mostra Lula recebendo o general Lino Oviedo, candidato à presidência do Paraguai. Não serei hipócrita em afirmar que o Brasil jamais deve apoiar políticos estrangeiros em campanha, o país faz isso o tempo todo, em especial quando se trata de um mandatário amigo concorrendo à reeleição. Contudo, o caso de Oviedo é especial.

O general tentou dar um golpe militar em 1996 e é acusado de ser o mandante do assassinato do vice-presidente Luis Argaña, seu rival político. Embora Oviedo tenha seguidores fiéis, suas ações provocaram diversas reações populares, em especial a revolta que ficou conhecida como “março paraguaio” de 1999, que resultou em diversas mortes.

O general passou cinco anos fugido na Argentina e no Brasil, e outros tantos presos no Paraguai pela tentativa de golpe. Estava sob processo pelo assassinato de Argaña quando foi solto pelo atual presidente Nicanor Duarte. O motivo? O Partido Colorado, há 60 anos no poder, corre o risco de perder as eleições para o ex-bispo jesuíta Fernando Lugo. O governo resolveu dividir a oposição lançando Oviedo na disputa.

Oviedo aproximou-se do Brasil em função do lobby de empresários de estados de fronteira, sobretudo Paraná e Mato Grosso do Sul, com interesses no Paraguai. A nação guarani é zona importante para o agronegócio, com extensas plantações de soja controladas por firmas do Brasil e dos Estados Unidos.

A expansão da soja pelo Paraguai tem causado problemas sociais sérios entre os camponeses, cerca de 40% da população. Suas terras são cobiçadas pelo agronegócio e com freqüência eles a vendem na esperança de que conseguirão prosperar nas cidades com o dinheiro. Como têm pouca instrução formal, costumam acabar em biscates e subempregos, ou então migração internacional, em particular para a Argentina, onde vivem 1,5 milhões de paraguaios – são 6 milhões em seu próprio país.

No ano passado estive na zona paraguaia da soja, visitando as áreas de plantação e conversando com os camponeses para a pesquisa sobre juventude sul-americana. É região pobre, baseada em minifúndio, sem máquinas e insumos adequados. O uso intensivo de agrotóxico por parte das empresas contaminou muitas reservas aqüíferas, entrevistei pessoas que tiveram doenças por conta disso, mas continuam a beber a água por falta de opção. Ouvi denúncias sobre violência e intimidação praticada pelas empresas contra os camponeses, com a conivência do Estado.

O movimento camponês e os estudantes são talvez os dois participantes mais ativos nas lutas pela democratização do Paraguai. Embora o país realize eleições desde 1989, persistem muitos traços da longa ditadura do general Stroessner. Impressiona como o autoritarismo permeia a sociedade paraguaia, desde os cargos mais baixos do funcionalismo até as relações familiares.

As maiores empresas do Paraguai são as usinas binacionais de Itaipu e Yacyretá, administradas em parceria com Brasil e Argentina. O país reclama do preço que seus sócios maiores pagam por sua energia e há enorme ressentimento pelo tratamento que recebe no Mercosul. Com freqüência se evocam as memórias da Guerra da Tríplice Aliança. Apesar das queixas, boa parte do gasto social do governo é financiado pelo Fundo de Desenvolvimento de Itaipu – dinheiro gasto sem transparência, a serviço dos interesses clientelistas do Partido Colorado.

O Brasil aposta em Oviedo como garantia dos interesses do agronegócio no Paraguai, e por acreditar que ele será moderado com relação a Itaipu. Grave erro. Oviedo aumentará a instabilidade no país, com os movimentos sociais rejeitando seu governo. O mundo mudou e não estamos mais na era Stroessner, quando os paraguaios aceitavam de bom grado regimes não-democráticos. Provavelmente haverá violência e medidas autoritárias, como as que ele executou em diversas ocasiões no passado. É possível que recorra a golpes de propaganda nacionalista com relação à Itaipu, em momento em que o Brasil corre risco de escassez energética, ou mesmo que confisque terras dos pequenos agricultores brasileiros (não dos sojeiros, claro).

Apoiar um golpista e réu de assassinato para presidir um país vizinho não é a melhor maneira de aperfeiçoar o Mercosul.

5 comentários:

Anônimo disse...

Olá,Maurício!!Pois é,não é a toa que,no Paraguai(assim como em alguns outros lugares da Am.do Sul),a sensação que se tem do Brasil é a de que nossa postura diante dos vizinhos é muito próxima a de países estrangeiros que têm interesses economicos na região,sendo cada vez menos visto como país amigo e/ou parceiro. Me parece que o termo "subimperialismo brasileño",cunhado por Ruy Mauro Marini,vem bem a calhar nessas horas.
Excelente post.um abraço

Maurício Santoro disse...

Olá, Rafael.

Sim, há muita hostilidade ao Brasil em diversos países sul-americanos, em particular no Paraguai e na região Andina. Minha discordância com Marini é que eu retiraria o "sub".

Abraços

Rodrigo Cerqueira disse...

Maurício,

mais uma vez me preocupa a tolerância do governo brasileiro a parceiros e vizinhos pouco afeitos à democracia, ligados a crimes os mais variados. Dessa vez, pelo menos, não me parece que tenha sido idéia do professor Marco Aurélio nem do comissário Samuel. Mas é preocupante, de qualquer forma.

Maurício Santoro disse...

Salve, Rodrigo.

Acho que o Samuel P. Guimarães é bastante representativo de um certo tipo de embaixador que ficou muito marcado pelo estilo diplomático da ditadura militar brasileira, e simplesmente não conseguiu realizar o "aggiornamento" com relação aos temas do período democrático, como democracia, direitos humanos e meio ambiente.

Por exemplo, tome o livro mais recente dele, "Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes", e veja quantas vezes esses termos são citados. Praticamente não aparecem.

A questão é que eles importam, são elementos concretos da política e do poder. E o Itamaraty não consegue lidar com esse admirável mundo novo.

Abraços

Bia disse...

É o Lino Oviedo por pouco nao tava entregando o Py pro Brasil, mas mesmo assim se eu votase teria votado nele.