quarta-feira, 6 de agosto de 2008
México: através do Cristal
Brasil e México sempre se viram com desconfiança, como se olhassem através de cristal que deturpa suas imagens, embora ocasionalmente encarem o Outro como o aliado natural no extremo oposto da América. Essa é a conclusão do historiador Guillermo Palacios, professor do Colegio de México, em seu livro “Intimidades, Conflitos e Reconciliações”. Recém-publicado pela Editora da USP, narra as idas e vindas das relações entre ambos os países, de suas independências até a formação do Nafta.
Palacios escreveu a obra em encomenda para a Secretaria de Relações Exteriores do México, e pesquisou basicamente nos arquivos diplomáticos de seu país e do Brasil. Por razões não muito claras, o material integral só estava disponível até o fim da Segunda Guerra Mundial, de modo que o período posterior é abordado de maneira mais superficial.
No século XIX, a jovem república mexicana temia os propósitos expansionistas do império brasileiro, e os medos se agravaram quando o arquiduque austríaco Maximiliano (foto abaixo), primo de d. Pedro II, tornou-se por alguns anos imperador do México. A aventura trágica foi financiada pelas armas francesas e terminou com o fuzilamento do monarca. O Brasil, embora até visse com simpatia outra monarquia nos trópicos, não estreitou contatos com Maximiliano, pois rejeitou expressamente a intervenção estrangeira na América Latina.
Durante a República Velha, os diplomatas brasileiros observavam com admiração a ditadura de Porfírio Diaz no México, considerando-o o defensor dos mesmos ideais de Ordem e Progresso dos positivistas brasileiros. O surgimento da Revolução Mexicana foi pessimamente interpretado pelo Itamaraty, que considerava seus líderes como bandidos e selvagens, e Palacios tem razão ao criticar o conservadorismo tacanho da chanceleria do Brasil como um fator que afastou os dois países. As tensões aumentavam à medida que o México se envolvia em atritos com os EUA – que incluíram duas intervenções armadas – e a política externa brasileira se tornava cada mais próxima aos ditames de Washington.
Nas décadas de 1930 e 1940 o México passou por uma efervescência social, com reforma agrária e leis trabalhistas de forte inspiração socialista. O momento coincidiu com o integralismo e o Estado Novo no Brasil, e a opinião pública mexicana adotou como causa a libertação de Luis Carlos Prestes – sua mãe, filha e irmã se refugiaram no país – para profundo desgosto de Vargas.
O surto desenvolvimentista dos dois países nos anos 50 e 60 os aproximou, com projetos de cooperação econômica, sobretudo em petróleo, tentativas de impulsionar a integração latino-americana (Alalc, Sela), de coordenar esforços para manter o preço de commodities das quais eram ambos grandes produtores (café e açúcar), realização de visitas presidenciais... O advento da ditadura militar no Brasil complicou as coisas, muitos exilados brasileiros foram para o México, repetindo um pouco o padrão da década de 1930.
O livro tem apenas um breve capítulo sobre os problemas dos anos 80/90, quando ambos os países enfrentaram a crise da dívida externa e tentaram tomar fôlego internacional formando blocos econômicos regionais – o México aderindo ao Nafta, junto com EUA e Canadá, o Brasil juntando-se à Argentina, ao Paraguai e ao Uruguai para formar o Mercosul. Palacios termina sua obra nesse ponto e não menciona, infelizmente, a notável aproximação que vem ocorrendo entre ambas as nações. Ainda assim, deveria ser leitura de cabeceira para os negociadores envolvidos no diálogo.
Acompanhamos pouco do cotidiano do México, que passa por crise de segurança pública, conflitos nacionalistas sobre o petróleo, controvérsias com os EUA por causa da construção do muro na fronteira... Mas fiquem tranqüilos: há poucos dias se instalou na Cidade do México minha querida amiga Júlia Sant´anna: jornalista e cientista política de primeira categoria, que nos contará um pouco de suas aventuras por lá no blog Farofa de Nopal, enquanto cursa seu estágio de doutorado em terras mexicanas.
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6 comentários:
Meu querido, estou totalmente de acordo com vc. Rio para não chorar quando vejo que os jornais brasileiros cobrem os temas mexicanos apenas depois que "deu no New York Times". Isso aconteceu recentemente com a onde de assassinatos de agentes policiais pelos cartéis de droga do México. Uma semana de cobertura nos jornais mexicanos, uma matéria no NYT. No dia seguinte, nossos maiores jornais traziam o assunto. Pena, né?
Beijo grande!
Olá, minha querida.
Sem dúvida. Pense na importância do que está acontecendo no México para os debates sobre segurança no Brasil. Felizmente contamos com você aí! Que tal uns bons artigos como correspondente freelancer?
Vim de um almoço que teria interessado a você. Estava com uma amiga que assumiu a coordenação do Fórum de Desenvolvimento Estratégico do Rio de Janeiro, da Assembléia Legislativa e conversamos sobre as boas mudanças que têm ocorrido nas políticas públicas, tanto no nível federal quanto no estadual.
Aproveite a estada mexicana, antes de voltar para enriquecer esta discussão!
beijo
estou roendo as unhas para ler os registro da júlia!
beijos
Pode começar a lê-los, Pat. O blog dela está aí ao lado.
Hoje a turma do Ibase almoçou junta, para comemorar o aniversário da Flávia e todo mundo ficou muito feliz em saber que você está trabalhando para o CFEMEA.
beijo
Belam resenha, Maurício, deu vontade de ler o livro (se já não estivessem outros sobre os vizinhos mais próximos brigando por leitura na cabeceira...).
Há um problema sério emr elação aos temas mexicanos, que é a emergência de crises e acontecimentos mais diretamente ligados aos interesses brasileiros, aqui na América do Sul mesmo. A aproximação comercial, que é brutal no setor automotivo, não se estende a outros setores econômicos, hoje por medo dos mexicanos, curiosamente.
Vou acompanhar o blogue da Júlia, quem sabe tiro dela sugestões para motivar o jornal a olhar mais de perto os astecas...
Salve, Sergio.
Pois é, ironicamente o México se tornou bastante protecionista no comércio com o Brasil. Também há a questão da cooperação tecnológica na exploração do petróleo, mas o setor é explosivo por causa de sua importância histórica, das tensões nacionalistas que desperta, etc.
Abraços
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