quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Uma Conversa com Samantha Power
Na manhã desta quarta estive numa palestra da jornalista americana Samantha Power, que veio ao Rio de Janeiro lançar “O Homem que Queria Salvar o Mundo – uma biografia de Sérgio Vieira de Mello”. Já resenhei aqui a edição original do livro (que em inglês tem título mais bonito, “Chasing the Flame – Sergio Vieira de Mello and the Fight to Save the World”), portanto hoje escrevo somente sobre a personalidade da autora.
Em cerca de seis anos Samantha Power se tornou uma celebridade no campo das relações internacionais: escreveu dois livros primorosos (o outro é “Genocídio: a retórica americana em questão”, mais uma má tradução para um original que se chamou “A Problem from Hell: America in the age of Genocide”), fundou um centro de direitos humanos em Harvard, destacou-se como correspondente de guerra e foi assessora de Barack Obama – a quem ela se referiu, num delicioso ato falho, como presidente Obama. Com todo esse currículo, ela é de simplicidade encantadora, com um entusiasmo juvenil pelos temas sobre os quais escreve.
Enquanto autoridades da ONU faziam a apresentação formal da palestrante, Samantha levantou-se de sua cadeira para oferecer o lugar a uma mulher idosa que chegou quando a platéia já estava lotada. A conferencista se sentou no chão, já que nenhum dos diplomatas e militares brasileiros que ocupavam as fileiras da frente teve um mínimo de presença de espírito ou cavalheirismo para oferecer-lhe a cadeira. Quando foi para a tribuna, Samantha esperou que dona Gilda, a mãe de Vieira de Mello, colocasse os fones de ouvido para que iniciasse sua palestra, na qual destacou por diversas vezes como o apoio dela e dos demais parentes de Sérgio foi essencial para o livro. Por diversos momentos Samantha esteve tão emocionada que pensei que não fosse capaz de continuar. Um rapaz da organização foi ajustar o microfone e ela lhe disse: “Não adianta, o problema é com a palestrante”.
Sua apresentação foi basicamente o resumo da carreira de Vieira de Mello na ONU, na perspectiva de que lições sua vida oferece para a resolução dos conflitos contemporâneos. Algumas de suas observações certamente serão controversas – como a necessidade de negociar com os bad guys, sejam eles terroristas ou genocidas, como Sérgio fez no Camboja do Khmer Vermelho ou na Bósnia dos paramilitares sérvios. Outras são politicamente difícies, senão inviáveis, com a ênfase de Vieira de Mello para que organizações internacionais compartilhem poder com grupos locais quando operam em países estrangeiros, tarefa que ele desempenhou com brilhantismo em Timor Leste, mas que tentou inutilmente no Iraque.
O evento estava lotado, mas senti falta de maior presença de jovens, de estudantes e pesquisadores. A maioria das pessoas era bem mais velha, talvez amigos da família Vieira de Mello, e as perguntas formuladas foram bastante convencionais, do tipo “Como foi que você se interessou pela vida de Sérgio?”. Aliás, sempre me irritou a falta de interesse que nós, brasileiros, demonstramos por ele. Acredito mesmo que uma biografia excelente como a de Samantha Power não conseguiria ser escrita aqui, porque exige conhecimentos especializados sobre crises internacionais na Ásia, África, Oriente Médio e Bálcãs, além de dados precisos sobre a intricada burocracia das Nações Unidas, onde Sérgio fez carreira. Será que algum dia conseguiremos escapar desse provincianismo sufocante?
Naturalmente, Samantha aproveitou a ocasião para autografar o livro e levei meu exemplar. Brinquei com ela que comprei a edição americana porque não pude esperar a publicação da obra no Brasil. Ela gostou de saber que sou professor de relações internacionais e que falo bastante de Vieira de Mello em minhas aulas, o resultado foi uma dedicatória simpaticíssima que guardarei com afeto, e que me faz sentir parte de uma conspiração do bem, nestes tempos em que não faltam confrarias do mal.
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6 comentários:
Apesar do meu interesse pela área, e pelo prazer por relações internacionais que você já conhece em mim, nunca senti o que senti lendo esse texto: uma pontada de inveja!
A figura de Vieira de Mello é-me fascinante ao ponto de estar com uma tremenda pena (não sei se será o termo mais adequado) de não ter podido participar deste evento.
E Samantha Power, pelo que você aqui descreve do episódio, parece ser uma pessoa cuja postura é de respeito, cortesia e humildade ante si e ante os demais, ao ponto de se tornar evidente o seu interesse pela figura do nosso "herói". Um dos muitos heróis que a Humanidade não soube apreciar adequadamente em vida!
Um abraço.
Salve, Sam.
É como diz a canção dos Smiths:
It is so easy to love, it is so easy to hate
It takes strenght to be gentle and kind
O mais legal é que o estilo da Samantha se parece com o de outras especialistas em DH que conheço, como a Katryn Sikkink e a Flávia Piovesan.
Abs
Ainda conspirando jaja
Mudou o nome mas näo as manhas jaja
Saludos!
Ainda conspirando jaja
Mudou o nome mas näo as manhas jaja
Saludos!
Certas coisas não mudam nunca, em especial meus defeitos! :-)
Olá, Maurício.
Compartilhamos do meusmo apreço e admiração por essa mulher inteligentíssima. Sempre gostei da figura (um tanto distante de nós, infelizmente)do Sérgio Vieira de Mello, o mestre do diálogo. Fico feliz que brasileiros como você, divulguem os ideais e o modo de agir desse grande brasileiro (li também a sua resenha).
--- Tive oportunidade de assistir ao programa Roda Viva no qual entrevistaram Samantha Power.
Uma dica: fique de olho, pois estão publicando as entrevistas do programa num site de memória. Qualquer dia sai a de Samantha Power.
Dê uma olhada:
http://www.rodaviva.fapesp.br/
Um abraço, josé marins (Curitiba)
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