terça-feira, 12 de agosto de 2008

Regiões e Poderes



Ontem dei aula no MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Foi minha estréia como professor na FGV, embora esteja tocando também outros projetos para a instituição. O tema da minha apresentação foi o papel das organizações regionais na manutenção da ordem internacional, tanto no aspecto econômico quanto em termos de segurança. A eclosão da guerra no Cáucaso tornou a discussão bem mais atual, e eventualmente um tanto mais assustadora.

Após o colapso da URSS, EUA e União Européia avançaram sobre a antiga área de influência de Moscou. A Europa Oriental foi incorporada à UE e à aliança militar, a OTAN - o mapa que abre o post mostra sua expansão. Acordos de cooperação foram assinados com Geórgia e Ucrânia, e bases americanas estabelecidas em diversos países da Ásia Central, sobretudo depois dos atentados do 11 de setembro e das guerras no Iraque e no Afeganistão. A idéia era tornar a Rússia um "Estado pós-imperial", o que significaria reverter uns bons 4 ou 5 séculos de sua história.

Entre 2003 e 2005 houve uma série de “revoluções coloridas” na Geórgia, Ucrânia e Quirguistão, acompanhadas de convulsões semelhantes no Azerbaijão e no Uzbequistão. Essas mobilizações resultaram na queda de governos pró-Moscou e na eleição de presidentes mais dispostos a aprofundar o vínculo com Estados Unidos e União Européia.

O país em que essa tendência foi mais forte foi a Geórgia, onde chegou ao poder Mikheil Saakashvili. Ele substituiu o último ministro das Relações Exteriores da URSS, Eduard Shevardnadze, que governava a Geórgia desde 1995. É visto como o mais pró-Ocidente dos líderes do Cáucaso e mandou até tropas para o Iraque – embora desprezadas pelos EUA por sua falta de treinamento e equipamento adequadas, são valorizadas como apoio político num momento de dificuldades para Washington.

Uma olhada no mapa abaixo mostra como o Cáucaso é o coração da instabilidade global, bem no meio das potências rivais e dos locais onde ocorrem guerras. Explica porque a Rússia dá tanto valor à região e porque Moscou cada vez mais se considera cercada e isolada pelas instituições comandadas pelos EUA e pela Europa.



Na perspectiva do novo nacionalismo que ganhou força na era Putin, é a reedição do “cordão sanitário” (grupo de Estados hostis ao redor do país) que foi imposto à União Soviética após a Revolução de 1917. Do ponto de vista dos vassalos do antigo império soviético, é a busca de aliados que possam contrabalancear o expansionismo de Moscou, a tentativa de jogar com a rivalidade entre as grandes potências e conseguir um pouco de espaço de manobra.

Na Guerra Fria, o Ocidente assistiu basicamente passivo enquanto a URSS esmagava rebeliões em seus satélites na Alemanha Oriental (1953), Hungria (1956) e Tchecoslováquia (1968). A Rússia parece ter ganhado a batalha na Geórgia – os EUA precisam da cooperação de Moscou em diversas questões mais sérias, como o Irã, e a Europa depende do gás russo. Foi dado um recado claro para outros países do Cáucaso que buscam aproximar-se do Ocidente, em especial para a Ucrânia, a jóia da coroa na região.

O resultado da guerra é muito mais difícil de prever. A escala da reação russa foi tão violenta que bem pode ter o efeito contrário no longo prazo, estimulando a formação de coalizões anti-Moscou. O Ocidente acena com integração e cooperação econômica. O que a Rússia tem a oferecer para rivalizar com tais seduções? Também não está claro para mim até que ponto a OTAN irá permitir aos russos a manutenção de uma zona de influência, inclusive com intervenções militares. A Geórgia não é prioritária, mas é difícil imaginar a mesma reação conformada diante de um eventual ataque à Ucrânia, ou mesmo aos países da Ásia Central.

2 comentários:

Patrick disse...

Ao que parece (informação é um item difícil em tempo de guerra), a Rússia "pelou" as forças armadas da Geórgia, destruindo sua principal base aérea, sua principal base naval e os quartéis mais importantes nas proximidades das regiões em conflito. Por enquanto, parece que se contenta com isso.

Maurício Santoro disse...

Olá, Patrick.

Sim, os relatos são que o exército da Geórgia debandou, principalmente devido aos efeitos do bombardeio de grande altitude feito pelos russos (o mesmo método utilizado pela OTAN na guerra do Kosovo).


Abraços