quinta-feira, 1 de outubro de 2009

As Armas da América Latina



Segue abaixo artigo que publiquei no site do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas:

Os países da América Latina gastam em média 2% do PIB com defesa – o menor percentual do mundo. Mas ao longo desta década, as despesas militares dos países da região aumentaram em 90%. Na ausência de guerras, o que explica um crescimento tão significativo e rápido? A resposta está no boom de commodities e nas tensões políticas, internas e externas, das nações andinas.

Chile: cobre e fronteiras

Embora Hugo Chávez seja o nome que a maioria das pessoas associa à elevação dos gastos militares, o Chile é, proporcionalmente, o país da América Latina que mais despende recursos em armamentos, por volta de 4% do PIB. Uma lei da ditadura Pinochet destina 10% das receitas da estatal exportadora de cobre para as Forças Armadas. Como o preço do minério subiu muito na última década, os militares tiveram cofres cheios.

As aquisições de armas foram motivadas pela persistência de conflitos de fronteiras entre Chile, Bolívia e Peru, que envolvem os territórios conquistados pelo primeiro país ao fim da Guerra do Pacífico, no século XIX. Apesar das disputas posteriores terem se limitado ao campo da diplomacia, ocasionalmente a retórica se torna bastante violenta.

Venezuela: petróleo e conflitos internos

A ascensão de Chávez à Presidência, em 1999, coincidiu com a alta dos preços desse recurso natural – de menos de US$20 para quase US$150, por barril, às vésperas da crise financeira de 2008. O presidente canalizou parte dos lucros para dobrar os gastos com defesa. Ele procura justificá-los como necessários para proteger a Venezuela de um ataque dos Estados Unidos e escolheu a Rússia como principal fornecedor de equipamento bélico para escapar das restrições e pressões de Washington.



Contudo, em grande medida, as novas armas atendem a objetivos de política doméstica: manter contente o segmento militar, crucial para a manutenção de Chávez no poder, e equipar as milícias que defenderiam o presidente no caso de outra tentativa de golpe, como a que sofreu em 2002.

Colômbia: aliança com os Estados Unidos

Chile e Venezuela obtiveram recursos para a compra de armas a partir da alta dos preços do cobre e do petróleo, a Colômbia recebeu as verbas diretamente dos Estados Unidos. Em 1998, os dois países assinaram o Plano Colômbia, acordo pelo qual Washington cede cerca de US$1 bilhão por ano à nação andina, tornando-a sua terceira maior beneficiária de auxílio militar, atrás apenas de Israel e do Egito. A princípio, o dinheiro deveria ser usado somente para o combate ao tráfico de drogas. Mas após os atentados de 11 de setembro de 2001 e a eleição de Álvaro Uribe para a presidência colombiana, o fluxo financeiro passou a ser utilizado também para o enfrentamento às guerrilhas e grupos paramilitares.



As Forças Armadas colombianas passaram por enorme expansão, para cerca de 200 mil pessoas – as maiores da região, após as do Brasil. Foram criadas unidades especiais para lutar contra as guerrilhas e comprada moderna frota de helicópteros para operações na selva. Os resultados se fizeram notar em uma série de ataques militares bem-sucedidos contra as FARCs. Os Estados Unidos anunciaram que ampliarão sua presença militar na Colômbia, em resposta aos choques com Chávez e também com o presidente do Equador, Rafael Correa, que negou autorização para que os EUA continuem a usar a base de Manta, em seu país.

Brasil: projeto de potência?

Embora o Brasil se orgulhe de sua tradição de resolução pacífica de conflitos, e da ausência de disputas fronteiriças sérias com os vizinhos, no governo Lula houve um aumento de mais de 50% nas despesas com as Forças Armadas e a assinatura recente do maior acordo militar da história do país, com a compra da França de aviões de caça, helicópteros e submarinos (inclusive um de propulsão nuclear), com transferência de tecnologia.



A retomada da política de defesa se explica pelas crises nas nações latino-americanas. Militares e diplomatas avaliam que o país precisa de Forças Armadas com mais capacidade de dissuadir eventuais agressores. Preocupações com a nacionalização dos hidrocarbonetos na Bolívia, as disputas com o Paraguai por Itaipu e os receios com Chávez que, embora tenha beneficiado o Brasil com diversos projetos econômicos, é visto com desconfiança pelo apoio que concede às guerrilhas colombianas. Também causa apreensão o aumento da intervenção militar dos Estados Unidos na Amazônia.

A descoberta das gigantescas reservas petrolíferas no litoral brasileiro é outro fator importante. O controle do país sobre a área é garantido pela Convenção Internacional dos Direitos do Mar. Contudo, trata-se de um acordo diplomático que foi recusado por mais de 40 países, inclusive os Estados Unidos. Por isso, a Marinha se refere ao Atlântico Sul como a “Amazônia Azul”, região sensível e necessitada de atenção especial.

As novas compras militares consolidam o Brasil como potência regional na América Latina. A mediação diplomática bem-sucedida na Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela reforça a imagem brasileira como um fator de estabilidade e moderação em meio aos conflitos andinos. A criação do Conselho Sul-Americano de Defesa segue a mesma lógica.

Contudo, a América Latina continua a enfrentar problemas sociais sérios e o debate sobre a política de defesa na região persiste restrito aos especialistas, com pouca participação das sociedades e dos órgãos representativos, como os parlamentos. As principais beneficiárias da compra de armamentos são as grandes empresas dos Estados Unidos, da Rússia e da França e é preciso democratizar a discussão, para que as iniciativas dos governos reflitam as reais necessidades e interesses dos povos do continente.

11 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Meu caro amigo:
Concordo totalmente com o último parágrafo. Necessitamos mais democracia numa área täo estratégica e que, ao longo da história, tem sido um fator limitante das instituiçöes.
Tenho uma dúvida. O crescimento do 90% é relativo ou absoluto? Pensando no crescimento econômico e na inflaçäo imagino que se relativiza.
Siguemos em contato!

Patricio Iglesias

Helvécio Jr. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Helvécio Jr. disse...

É o dilema de segurança clássico meu chapa! Mas o espiral ficou mais tenso com os discursos e aquisições do Chávez.

No campo tecnológico, a Colômbia se destaca por ter acesso menos restrito a mísseis teleguiados norte-americanos. Uma aviação do Exército superior. O Brasil obviamente, mas espero que o Plano de Defesa mude o desmonte das Forças Armadas. Empresas como a Mectron, que produz mísseis, tem um forte potencial, mas recebem pouco apoio.

Nas minhas conversas com o Fregapani, ele me disse que a estratégia mais correta em caso de Guerra contra uma potência é a de Chávez. Ele pensa em termos de guerra assimétrica. Comprou mais de 50 mil kalashnikov para distribuir entre a população em caso de invasão estrangeira. Isso tornaria a tentativa de ocupação um inferno. Envolver a população na guerrilha. Chavez sabe que não pode vencer a Colômbia no campo do embate militar direto, mas usaria a guerrilha para impedir a vitória absoluta.

Você já recebeu seu FAL em casa jogador?...hehe


abraços.

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

O crescimento é em termos absolutos, e de fato o PIB da região cresceu bastante nos últimos anos, em especial na Colômbia e no Peru.

Ainda assim, houve crescimento percentual dos gastos, inclusive no país com o maior orçamento militar, o Brasil.

Salve, Helvécio.

Pois é, nada tão diferente dos tempos do Peloponeso, não é?

Muito, muito interessante a avaliação do coronel. Eu nunca havia pensado nesses termos, mas ele tem razão. A fábrica de fuzis faz todo o sentido nessa perspectiva.

A propósito, prefiro o AK, que não enferruja, não emperra, é fácil de desmontar. Não dá para confiar em fuzil belga, se fosse bom eles não seriam invadidos pela Alemanha a cada duas semanas! :-)

Abraços

Mário Machado disse...

eu ia comentar.. mas essa dos belgas.. foi demais..ahuaahuau

Mário Machado disse...

Vejo um perigo enorme para a estabilidade regional que são as ameaças que se chamam de guerras de IV geração, e no que li até agora as hipóteses de emprego que as FFAA trabalham marginalizam esse tipo de enfrentamento.

Na região a Colombia parece a que melhor tem entendido esse tipo de conflito.

Mário Machado disse...

[to flodando, perdão].

Falando com cooperação militar com o tal conselho, há um bom exemplo da Argentina e do Chile, que tem um acordo muito interessante de compartilhamento de dados sobre compras e gastos militares.

Uma alternativa para evitar uma corrida armamentista numa região que ganha mais com esse dinheiro indo pra educação, ou até mesmo segurança pública.

Mário Machado disse...

(Putz to chato)Tenho um amigo militar americano que está agora inclusive na ativa, ama o Fal, diz que prefere aos M-16 e M - 4...

Helvécio Jr. disse...

Maurício,

bela frase no filme "senhor das armas". O maior produto de exportação da Rússia...

Realmente. Trata-se de uma tática simples inspirada nos vietcongs que depois do desastre da ofensiva tet aplicaram a guerrilha contra os ianques. De fato, em um conflito com uma potência seria a melhor maneira de tornar a ocupação inviável.

Acho que o coronel tem seus exageros sobre cenários conflituosos, mas no geral concordo com ele. O cenário mais plausível seria o de um conflito entre Venezuela e Colombia. Golfo de Maracaibo? vitória rápida da Colômbia, mas não absoluta por conta da guerrilha chavista.

parece pouco provável, mas eu não acho que seja tão irreal assim.

carlos disse...

salve, santoro,

compartilho com o jovem professor da necessidade premente de se radicalizar a democracia nessa nossa américa latina. o momento é agora haja vista os movimentos sociais que surgem na maioria de nossos países, independente da orientação ideológica de seus governantes.

creio que as oportunidades estão sendo aproveitadas, pois criamos essas instituições multilaterais que devem acelerar a integração do continente. talvez um processo lento, mas se compararmos essa década com os anos 70 e 80, andamos uma barbaridade.

sobre a corrida armamentista, não me surpreende. seu texto esclarece a questão. disse-o bem sobre o tratado que os eua não assinaram, como não assinaram aquele sobre a proibição de minas anti-pessoais e o tribunal de haia, que tem consequências em nossa amazônia azul.

um pesquisador que produz interessante textos sobre isso é o cel. geraldo cavagnari da unicamp, que o professor deve conhecer.

por último, um exemplo da entrevista do el clarin online do último 30 de setembro com o "presidente de facto" de honduras:Lo sacamos a Zelaya por su izquierdismo y corrupción. El fue presidente, como
liberal, como yo. Pero se hizo amigo de Daniel Ortega, Chávez, Correa, Evo
Morales". isso é só o couvert, imagine o resto.

abçs

Maurício Santoro disse...

Salve, meus caros.

Mário, de fato o Exército brasileiro dá mais importância às guerras convencionais. A principal HE continua a ser a invasão da Amazônia por uma potência extra-regional. Um oficial amigo meu reclamou que seus colegas estudam mais a contra-insurgência no Iraque do que na Colômbia. Ele tem lá certa razão...

Meu palpite pessoal é que se Chávez se envolver em algum conflito armado, será com a Guiana, um adversário bem mais fraco. Apesar de sua relação ruim com Uribe, os vínculos entre venezuelanos e colombianos são muito, muito fortes. Não acredito que nenhum dos povos apoiasse uma guerra.

A cooperação entre Argentina e Chile é um modelo para a região, mas por esta semana devo ler um artigo recém-publicado sobre a parceria naval entre Argentina e Brasil, escrito por um oficial da nossa Marinha, que tem sido muito elogiado.

Salve, Helvécio.

É, o AK é o maior produto de exportação russo - e a mais letal arma de destruição em massa do planeta, como é dito no mesmo filme.

Caro Carlos,

Sim, conheço o coronel de leituras e entrevistas na TV, o centro de Campinas é uma referência importante nos debates sobre política de Defesa.

Abraços