quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
Chile: o declínio da Concertação
O primeiro turno das eleições presidenciais chilenas foi realizado no domingo e marcou uma contradição: a presidente Michelle Bachelet termina seu mandato com excelentes avaliações, que batem nos 80% de aprovação, mas sua coalizão política, a Concertação, enfrenta séria crise e provavelmente será derrotada nas urnas, pela primeira vez desde que o Chile voltou a ser uma democracia.
O declínio da Concertação é natural. Após 20 anos no poder, é compreensível que os eleitores queram renovação, mesmo que muitos tenham boa opinião sobre a coalizão de centro-esquerda que reúne socialistas, democratas-cristãos e outros partidos. No longo período em que seus líderes estiveram à frente do país, a Concertação conseguiu conduzir uma difícilima transição para a democracia, sempre à sombra do general (e senador vitalício) Pinochet. Fez boa gestão da economia e, nesta última década, deu bastante atenção às políticas sociais e ao combate à desigualdade. Seus desgastes foram menores do que aqueles experimentados pelos socialistas na França e na Espanha, uma vez que os governos Mitterand e Gonzáles terminaram com escândalos de corrupção que estiveram ausentes no Chile.
Contudo, a Concertação deixa alguns impasses sérios. A política externa chilena não conseguiu resolver os problemas com os vizinhos sul-americanos, em particular com Peru e Bolívia. A marginalidade social dos índios continua forte, com conflitos violentos envolvendo disputas de terra no sul do país. A xenofobia e o neonazismo têm ocorrido em escala preocupante. As demandas por reformas amplas na educação não foram atendidas a contento e serão grandes desafios para o próximo presidente. E a estrutura interna da Concertação não soube lidar com seus rebeldes e dissidentes, o que culminou na fragmentação e alienação de seus integrantes mais dinâmicos.
A escolha do democrata-cristão Eduardo Frei para candidato à presidência foi um erro. A um eleitorado ávido por mudança, a Concertação apresentou um ex-presidente, filho de ex-presidente. As propostas de transformação mais interessante vieram de Marco Enríquez-Ominami, jovem cineasta com pinta de galã (foto acima), filósofo, ex-deputado pelos socialistas, filho de um dirigente guerrilheiro morto por Pinochet e enteado de um senador socialista. Ominami concorreu como independente e balançou o establishment com uma plataforma que incluía implementar o federalismo (num país muito centralizado) e diminuir o poder presidencial num sistema híbrido que criaria um primeiro-ministro, à semelhança do modelo francês.
O favorito para ser o próximo presidente do Chile é o empresário Sebastian Piñera, o homem mais rico do país, dono de uma série de negócios que incluem a companhia aérea Lan Chile, redes de farmácia e times de futebol. Lidera a “Coalizão pela Mudança”, cujos principais integrantes são os partidos de direita Renovação Nacional e União Democrática Independente. Esta última é a sigla criada por Pinochet após o golpe de 1973, para substituir o tradicional Partido Conservador. Mas a direita chilena rachou depois da redemocratização – nas últimas eleições presidenciais concorreu com dois candidatos - e Piñera representa sobretudo a corrente que privilegiou o aspecto da liberalização econômica, e não o legado autoritário da ditadura. Este último se enfraqueceu muito com os escândalos de corrupção envolvendo Pinochet e sua família. No Chile, esse tipo de crime faz os políticos perderem votos. Que inveja!
Em comparação à Argentina e ao Brasil, a direita chilena se destacava por ser eleitoralmente forte, pelo menos até a década de 1960. O retorno dos conservadores ao poder, pelas urnas, é boa notícia para a democracia no Chile. Quando o revezamento ideológico-partidário se concretizar, o país poderá então celebrar o momento em que sua transição democrática estará completa. Só preocupa a concentração de poderes econômicos e políticos nas mãos de Piñera. A sombra de Berlusconi é um alerta do que pode ocorrer em casos assim.
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2 comentários:
Mais uma vez parabéns pelo blog. Tem sido uma bússola para mim que sou canditado ao IRBR.
Estive conversando com uma amiga chilena e ela me disse que votou em Piñera como uma forma de afastar a Concertación do poder.
O desejo de renovação e a divisão da "esquerda" entre concertacionistas e Omianistas parece que vai levar à presidência o Piñera.
O fato é que Arrate (comunista), sempre defendendo uma frente popular, já chamaou o "todos contra Piñera".
Resta saber até onde vai a rejeição popular aos herdeiros da ditadura Pinochet.
Um abraço.
Salve, Petrus.
Bom saber que o blog está sendo útil.
Sou um tanto cético quanto à possibilidade de uma aliança de esquerda contra Piñera, porque as divisões no campo progressista chileno são muito grandes. E para a jovem estrela em ascensão, um governo de direita viria bem a calhar, certamente ele brilharia na oposição.
abraços
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