sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
A Terceira Margem
Neste dia em que tudo indica que a Cúpula de Copenhage irá terminar frustrando as esperanças sobre um acordo global a respeito da mudança climática, uma excelente leitura é o recém-lançado “A Terceira Margem: em busca do ecodesenvolvimento”, as memórias do economista polonês Ignacy Sachs. O livro é um ótimo apanhado das discussões sobre desenvolvimento no pós Segunda Guerra Mundial, enriquecido pela experiência de vida do autor nos “três mundos”: França (nações ricas), Polônia (socialismo real), Brasil e Índia (países em desenvolvimento) e com interlocutores extraordinários como Michal Kalecki, Amarthya Sen, Maurice Strong, Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso.
Sachs nasceu numa rica família de banqueiros e morou em Varsóvia até a adolescência. Teve que fugir do país às pressas, quando a Alemanha nazista o invadiu em 1939, pois era judeu. Terminou no Brasil, onde se formou em economia e morou até meados dos anos 50, trabalhando principalmente para a representação diplomática da Polônia já ocupada pela URSS. Sachs havia se casado no Brasil com uma refugiada polonesa e o jovem casal resolveu embarcar na aposta de construir um “socialismo com face humana”, o que parecia uma boa chance na época do reformista governo Gomulka e do degelo pós-Stalin.
Por conta da temporada brasileira, Sachs foi se tornando um especialista no Terceiro Mundo, e suas análises da economia e dos problemas desses países eram um terreno relativamente seguro para a ortodoxia comunista, não despertavam muitos medos. Em Varsóvia, ele se tornou assistente de Michal Kalecki, genial economista que foi um dos inventores da macroeconomia e inclusive antecipou várias idéias de Keynes.
As portas se abriram rapidamente e Sachs passou uma instrutiva temporada na Índia, como adido na embaixada polonesa. Lá cursou o doutorado num período em que Nova Délhi era parada obrigatória da maioria dos intelectuais de destaque, interessados em conhecer o governo de Nehru e a tentativa indiana de construir uma posição não-alinhada na Guerra Fria. Os capítulos sobre a Índia são muito bons, em particular a narrativa dos encontros do autor com Amartya Sen e suas tentativas de compreender a mensagem de Gandhi.
Mas o retorno à Polônia foi dificil, pois o país já começava a passar pela crise que culminou na queda de Gomulka, e os judeus foram particularmente visados. Como Sachs já era uma figura respeitada no circuito internacional, conseguiu se estabelecer na França, como professor universitário em Paris, e iniciou uma longa carreira de consultor para diversas agências da ONU e muitos governos estrangeiros, inclusive o do Brasil.
Sachs se dedicou a diversos temas desde então, mas sem dúvida o mais singnificativo para sua obra foi incorporar as preocupações sobre Meio Ambiente à agenda do desenvolvimento, algo que começou por sua amizade com o milionário canadense Maurice Strong e participação destacada em todas as grandes conferências da ONU sobre o tema – Estocolmo, Rio, Johannesburgo. Seu relato mostra como o assunto foi aos poucos conquistando parcelas crescentes da opinião pública e dos próprios governos, embora os impasses em Copenhage sejam ilustrativos dos muitos problemas da área.
Infelizmente, Sachs não escreve muito sobre a França no livro, seria interessante saber como ele observa as várias transformações pelas quais a sociedade francesa passou desde 1968, quando ele se estabeleceu em Paris. Mas o Brasil recebe bastante espaço em suas memórias, permanecendo um dos seus principais temas de pesquisa – ele dirige o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. O próprio título de suas memórias vem, claro, do belo conto de Guimarães Rosa.
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