sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Se não têm pão, que comam panetones



“Se estes são os nossos Democratas, então votarei nos republicanos!”,
De um dos meus ex-professores no doutorado

A rebelião em Brasília contra o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, é uma bela novidade em um caso que tinha tudo para entrar como mais um exemplar do folclore da corrupção brasileira: câmeras ocultas, uso heterodoxo de peças de roupa para guardar dinheiro, desculpas estapafúrdias (era tudo para comprar panetones) e, meu momento favorito, a oração dos deputados em favor de um dos chefes do esquema. Como diria o padre Antônio Vieira, é o Sermão do Bom Ladrão.




“Sabemos que somos falhos”, dizem os parlamentares. Nós, cientistas políticos, também desconfiávamos. Já são sete pedidos de impeachment contra Arruda e o escândalo em Brasília provavelmente fará com que os Democratas percam seu único governnador. Seu prefeito mais importante, Gilberto Kassab, de São Paulo, enfrenta problemas sérios: uma gestão muito criticada, com expressivo aumento de impostos e multiplicação de secretarias municipais. O partido há tempos tem perdido muitos quadros para o PSDB, inclusive essa tendência motivou a controversa decisão do Supremo Tribunal Federal estabelecendo fidelidade partidária.

Mais do que um problema de conjuntura, é a expressão de dificuldade típica da política brasileira: o estabelecimento e consolidação de um partido de direita competitivo eleitoralmente, como aqueles que existem, por exemplo, no Chile (Renovação Nacional, favorita na disputa presidencial) e Uruguai (Partido Nacional).

Tomo emprestadas aqui as idéias do sociológo argentino Torcuato di Tella: a ausência de uma sigla desse tipo é má notícia para a democracia, pois o sistema é baseado em negociações e concessões entre os diversos interesses dos cidadãos, e todos ganham quando o jogo se dá às claras, em alianças partidárias, barganhas no Congresso etc. Di Tella argumentou que sem esse partido e acuada pelo peronismo, a direita argentina com frequencia apelou a golpes de Estado, tentando tomar pela força o poder que não conquistava pelo voto. Pode-se estabelecer comparações com o Brasil de 1946-1964, em particular pela ação destrutiva da União Democrática Nacional conta praticamente todos os presidentes eleitos no período.

A ditadura militar brasileira procurou reorganizar o sistema partidário por decreto, reunindo seus apoiadores de direita na Arena, que por muitos anos se vangloriava de ser “o maior partido do ocidente.” O retorno do multipartidarismo antecedeu em alguns anos a volta da democracia, em parte como estratégia do regime autoritário para fragmentar a oposição (dividida no PMDB, nos trabalhistas, no nascente PT etc) mas também para permitir a dança das cadeiras entre a elite conservadora que apoiou a ditadura, e que teve tempo para construir alternativas eleitorais viáveis. Os Democratas (que bom que mudaram de opinião quanto ao regime político desejável para o país, não?) são encarnação mais recente da Arena.

A direita brasileira após a redemocratização é um tema que merece mais atenção dos pesquisadores. O livro mais interessante que conheço sobre o assunto foi escrito pelo cientista político americano Timothy Power, que observa a relutância dos políticos brasileiros em se assumir como direitistas – preferem se autoclassificar como “centro-esquerda”. Power acredita que isso se deve à identificação do conservadorismo com a ditadura, e afirma que a direita estava se reconstruindo com base no liberalismo econômico. Isso poderia ser verdade para a década de 1990, mas acredito que a política recente tomou outro rumo, menos polarizado nesse aspecto.

Infelizmente a convergência também se manifesta na frequência com que os principais partidos se envolvem em escândalos de corrupção. Nesse aspecto, a renovação tem que vir de fora, por iniciativa da população. A rebelião dos brasilenses me fez pensar nas “puebladas” da Argentina da década de 1990, as mobilizações populares que estouraram em diversas províncias e por fim chegaram à capital em dezembro de 2001. Será que testemunhamos a eclosão de algo semelhante no Brasil?

9 comentários:

André Egg disse...

Eu acho que esse jogo democrático com polos em disputa só funcionou mais ou menos no Brasil do 2° Império.

Parece que depois temos mais é disputas entre oligarquias regionais.

A partir de 1930 todos os projetos de renovação (seja os de direita, seja os de esquerda e - paradoxo dos paradoxox, até os "liberais") sempre passavam pela via autoritária.

A Constituição de 1988 parece um marco na tentativa de uma institucionalização. E a polarização vai se dando entre os únicos partidos que funcionam minimamente no Brasil: PT e PSDB.

Acho difícil um dircurso de direita dar futuro num país com tanta desigualdade e miséria. Pega mal mesmo. Não somos os EUA nem a Europa Ocidental.

Helvécio Jr. disse...

Essas diferenças entre jacobinos e girondinos no mundo atual são, sem dúvida, mais nebulosas. Parece que vivemos em um mundo pós-ideológico. Vide o governo Lula, esquerda? difícil hein...tavez na política externa, mas há muitos elementos de direita.

Mas jogador, será que haveria uma mobilização desse tipo contra O Garotinho na época dele aí no Rio? Acho que o fato de Brasília ser bem menor ajuda.

abraços meu caro.

Maurício Santoro disse...

Salvem,

De fato, na Europa e nos EUA os partidos de direita têm sua base mais sólida na classe média, que no Brasil é bem mais frágil em termos demográficos. Mas me pergunto se a ascensão da nova classe C não poderia gerar algum tipo de movimento conservador.

No Rio, o ex-governador Garotinho tinha uma rede clientelista muito forte e era um comunicador, um homem com experiência de mídia. Difícil imaginá-lo cometendo as bobagens do Arruda frente às câmeras, como os panetones.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Meu caro Maurício:
Sempre aprendendo algo novo do Brasil...
Só um comentário. Eu não sou muito amigo de alabar o "20 de diciembre", o "Argentinazo", como o chama a esquerda. Não compararia com o Santiagueñazo nem os reclamos, por exemplo, pelo jornalista Cabezas, porque foram muito mais espontáneos.
Não digo que TODOS os que estivam na Plaza de Mayo o dia do helicóptero sejam sido pagados, e muito menos que todas as asambléias das panelas(incluindo algumas que houve em diminutos povos do interior) tenham sido falsas, mas... não é suspeitosa tanta sincronização em todo o pais nisse dia? Tinham fome e roubavam por isso as máquinas registradoras? Ou foi, como contra Alfonsín no 1989, uma jogada suja do PJ, usando toda sua capacidade clientelar, pra voltar ao poder?
Falando de direita e esquerda, sou um pouquinho de "direita" na minha leitura do 2001. Ha, ha, ha! Nunca vou olvidar todos os atos de vandalismo que via na TV, os pequenos comerciantes caindo no choro...
Abraços!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Caro,

Conheço o argumento, é semelhante ao que Alfonsín dizia sobre os protestos no fim de seu governo. Não é fácil ter o PJ na oposição, não é?

abraços

Mário Machado disse...

Há algo de tristemente patético na "rebelião de Brasília" quando vemos que os ocupantes da Camara legislativa são os mesmo que chamavam a imprensa de golpista quando o mensalão era da esquerda e não do demo (como eles dizem)...

E sim não há uma legenda de Direita no Brasil, eu por exemplo, não me sinto representado por nenhuma das legendas do Brasil.

Maurício Santoro disse...

Sim, Mário, mas isso é da vida. As pessoas cobram combate à corrupção contra seus adversários políticos, mas fecham os olhos quando os culpados são os membros de seu próprio partido. Com mensalões no DEM, PT e PSDB, há variantes ideológicas para todos os gostos...

Abraços

Mário Machado disse...

Meu medo verdadeiro é que esse desgaste da credibilidade leve ao poder alguém que se declare um outsider, um novo caçador de marajás.. ai já vimos esse filme de outsider + sistema partidário frágil + messianismo político = século XX...

Mário Machado disse...

ah sim e acho que a ideologia reinante entre os políticos nacionais é ecologica, pois só pensam em guaroupas, onças pintadas...