quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Lendo Lolita em Teerã



No próximo mês darei um curso sobre o Irã e aproveito para ler alguns livros sobre a história recente do país. O mais interessante, sem dúvida, foi “Lendo Lolita em Teerã: memórias de uma resistência literária”, de Azar Nafisi. A autora é professora de literatura e atualmente vive nos Estados Unidos. Seu relato autobiográfico é focado em dois momentos: a situação explosiva nas universidades logo após a Revolução Islâmica e o fechamento do país nos anos posteriores, quando teve que abandonar seu cargo e passou a lecionar em sua casa, para um grupo restrito de estudantes.

Nafisi é especialista em literatura inglesa e americana, o que por si só a tornava suspeita no Irã pós-revolucionário. Descende de uma família de intelectuais e politicos: durante a monarquia, o pai fora prefeito de Teerã, e a mãe, deputada. Teve uma educação refinida e cosmopolita, curiosamente marcada pela cultura de esquerda dos anos 60 – o tema de sua tese de doutorado foram os escritores radicais nos EUA durante a Grande Depressão.

A jovem acadêmica caiu direto dos campi americanos para as salas de aula de Teerã logo após a queda do Xá. O caráter da Revolução estava então em disputa, e clérigos e militantes de esquerda lutavam pelo controle do país. Ambos os grupos eram muito fortes na universidade, e os cursos sobre literatura americana ministrados por Nafisi foram rapidamente taxados de “contrarevolucionários”, fosse em nome dos aiatolás, fosse em razão do comunismo. Ambas as correntes convergiam no ódio intenso aos Estados Unidos.



Nafisi estrutura seu livro a partir de quatro partes que prestam homenagem a grandes escritores: Vladimir Nabokov, Scott Fizgerald, Jane Austen e Henry James. Os leitores que os conhecem sabem de suas posições extremamente críticas às sociedades em que viveram. Essse é o ponto de Nafisi para seus jovens estudantes, às vezes com sucesso, às vezes com fracasso. Um dos melhores pontos da narrativa é o julgamento (literalmente, com juiz, promotor, defensor) do romance “O Grande Gatsby”, de Fitzgerald, que muitos fundamentalistas (com ou sem turbantes) consideravam típico da decadência moral americana.

Na visão de Nafisi, da qual compartilho, se trata de um retrato irônico de como o Sonho Americano pode ser fútil, vazio e enganador. E Lolita, de Nabokov, não é só sobre pedofilia, mas uma interpretação de como podemos destruir um ser humano ao tentar transformá-lo em marionete de nossos sonhos e fantasias. Exatamente como os aiatolás fazem com os iranianos, provoca Nafisi.

Ela adota uma posição que já havia lido em Vargas Llosa, a de que boa literatura é, em si mesma, contestadora, subversiva e rebelde, mesmo quando os escritores são conservadores. Mais do que isso, diz Nafisi:

Um bom romance é aquele que mostra a complexibilidade dos indivíduos; e que cria espaço suficiente para que todos esses personagens tenham uma voz; por isso um romance é chamado de democrático – não porque defenda a democracia, mas porque esta é sua natureza. A empatia está no cerne da questão, no centro de O Grande Gatsby, como em tantos outros grandes romances – o maior pecado é ficar cego dinte dos problemas e dos sofrimentos das outras pessoas.

A segunda parte do livro, a dos grupos de estudo, é menos interessante. O tema é de grande relevância: a opressão feminina que se dá no cotidiano do Irã. A dificuldade para Nafisi é que essa história foi contada de maneira muito mais saborosa em “Persépolis”, de Marjane Satrapi.

E enquanto isso, no Irã: o funeral do aiatolá mais crítico ao regime se tornou palco de outra grande manifestação contra o governo. E numa decisão surpreendente, a justiça iraniana reconheceu que houve tortura na repressão aos protestos durante as eleições.

O blog dá uma parada para o Natal e retorna na próxima semana. A todos, uma excelente festa.

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