quinta-feira, 26 de julho de 2007

O ano em que meus pais saíram de férias



Ouvi que este filme é tão bom que parece argentino. De fato, "O ano em que meus pais saíram de férias" tem muito em comum com o melhor da produção entre os hermanos, em particular “Kamtchaka” de Marcelo Piñeyro e os dramas de temática judaica de Daniel Burman. Mas a equipe é brasileira e narra com sensibilidade e competência a história de Mauro, um menino cujos pais perseguidos pela ditadura militar precisam deixá-lo com parentes no bairro paulistano do Bom Retiro, lar de expressivas comunidades de judeus e italianos – tudo isso em plena Copa do Mundo de 1970.

O roteiro é primoroso, equilbrando crônica do cotidiano, comédia, drama, política, sem nunca errar a dose dos ingredientes. A batuta da orquestra está com o diretor Cao Hamburguer, o talentoso criador de Castelo Rá-Tim-Bum, que mais uma vez comprova a habilidade para lidar com crianças, com destaque para Mauro (Michel Joelsas) e sua amiga Hanna (Daniela Piepszyk). No elenco adulto, gostei muito de um ator que não conhecia, Germano Haiut, que interpreta Schlomo, o vizinho do avô do protagonista que se vê às voltas com a tarefa de cuidar do menino. Caio Blat faz uma pequena participação como o estudante Ítalo e comprova pela milésima vez que uma das grandes promessas de sua geração. Na realidade, da nossa, visto que temos quase a mesma idade.

O filme tem uma suavidade ausente na maior parte dos dramas brasileiros sobre a ditadura, que com freqüência se sentem na obrigação de doutrinar o espectador e são sempre sérios, muito sérios – alguém precisa fazer urgente uma comédia pastelão para mostrar o quanto o autoritarismo era ridículo! Em “O ano em que meus pais saíram de férias” a opressão e o sofrimento estão presentes, mas temperados pela delicadeza da amizade entre os meninos do Bom Retiro, e pelo humor das cenas na sinagoga.

Ao autoritarismo da ditadura, o filme contrapõe o ambiente fraterno e multicultural do bairro e a sua maneira é quase uma parábola sobre a fraternidade. Não por acaso o mito de Moisés é evocado em diversos momentos, a criança acolhida por estranhos e que desse modo pode sobreviver e escapar à perseguição.

Devo ver mais cinema brasileiro a partir das próximas semanas. Mudei minha TV por assinatura para o formato digital, e o novo pacote de canais é bem mais abrangente, inluindo o Canal Brasil. Como os serviços da NET são uma porcaria, ainda deve levar uns dez dias até a empresa realizar a conversão.

5 comentários:

Anônimo disse...

Bom ver que a revitalização do cinema brasileiro continua. Tenho que lembrar de comprar um monte de DVDs quando for praí de novo. :)

Anônimo disse...

Eu considero este o melhor filme brasileiro dos últimos anos. O equilíbrio de drama e comédia é uma arte delicada, na qual os norte-americanos são mestres mas os brasileiros não sabem fazer direito.

O filme consegue articular com naturalidade os três temas, a política, a vida judaica e o futebol. E nos diálogos não parece que os personagens estão lendo um livro, como é quase sempre no cinema brasileiro.

Um ou outro crítico chamou o filme de "hollywoodiano". E a gente acaba lendo essas patacoadas por acaso...

Maurício Santoro disse...

Querida Nica,

Muitos dos lançamentos brasileiros estão presos às receitas da TV, felizmente também há bastante coisa legal. Por exemplo, uma série de excelentes documentários sobre música.

Salve, Marcus.

Concordo com você, o filme é primoroso, e para mim o cotidiano do bairro judaico foi toda uma descoberta.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

"Ouvi que este filme é tão bom que parece argentino" É realmente täo bom o cinema argentino??? Um honor pra nós!
Vejo que lá também há entre os artistas um interés pela ditadura militar, aunque näo seja täo forte como na Argentina.
Abraços, amigo!

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Sim, meu caro, o cinema de seu país tornou-se a referência de qualidade em nossa América.

Abraços