quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Migrantes Internacionais


Um dos impactos mais fortes das viagens à Bolívia e ao Paraguai foi o convívio com muitos jovens que haviam migrado, ou que pensavam em fazê-lo. É uma coisa ler um estudo acadêmico sobre o tema, outra é conhecer pessoas que viveram essa experiência e compartilhar com elas um pouco de suas esperanças e sofrimentos.

Há poucas semanas, fui convidado por meus colegas do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa a assumir a coordenação do Grupo de Trabalho do Mercosul. Aceitei com muito gosto, na expectativa de contribuir com o que aprendi durante minha estada na Argentina (onde os temas diplomáticos-sociais estão bem à frente da experiência brasileira) e com o que tenho visto nas viagens pela América do Sul. Um pouco para minha surpresa, meu relatório sobre Bolívia e Paraguai despertou muito interesse nos amigos pela situação dos migrantes. Passei então a recolher dados que pudessem contextualizar melhor as observações e impressões do meu trabalho de campo.

Nunca houve tantos migrantes internacionais como hoje em dia, seja em números absolutos, seja em proporção à população mundial. A ONU calcula que sejam quase 200 milhões, concentrados nos EUA, nos territórios que formavam a antiga União Soviética (sobretudo Rússia e Ucrânia) e na Índia. Naturalmente, existe também muita migração interna, em particular na China, mas essa é outra categoria.

A migração dentro da América Latina cresceu bastante. Bolivianos, peruanos e paraguaios deixam seus países pelo Brasil e pela Argentina. Trabalhadores rurais brasileiros acompanham a expansão da fronteira agrícola e passam ao Paraguai e à Bolívia. Característica peculiar desse movimento populacional: maior presença de mulheres do que a média mundial.

A maior parte dos estudos ressalta o caráter econômico da migração: as pessoas mudam de países porque querem salários melhores. Contudo, minha experiência de campo me chamou a atenção para outros fatores, que em geral são subestimados: o desejo de horizontes culturais mais amplos (incluindo a possibilidade de estudar) e a vontade de escapar de um ambiente familiar difícil. Fiquei impressionado em como esses dois motivos eram citados pelos jovens com que conversei, com freqüência misturados à questão do emprego.

Desde os anos 80 o Brasil é considerado pela ONU como um país de emigração, por conta dos 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior. O ponto curioso é que o país também recebe muitos migrantes e nem sempre consegue lidar bem com os dois lados da moeda dos fluxos populacionais. Triste ler os depoimentos dos imigrantes e ver o quanto o racismo e a xenofobia estão presentes no Brasil, em especial contra os africanos e os latino-americanos de origem indígena.

Felizmente, o tema está em evidência no Congresso e há bons debates em curso, como a possibilidade de renovar o Estatuto dos Estrangeiros, que ainda é do tempo da ditadura militar e sofre da carga de preconceitos e desconfianças que o regime autoritário dispensava ao mundo – um jurista o chamou de “regimento interno da Bastilha”.

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