sábado, 29 de setembro de 2007

Em São Paulo

Passei os últimos dias em São Paulo, num seminário de trabalho com a equipe brasileira da pesquisa sobre juventude sul-americana. Foi um encontro puxado, mas extremamente produtivo. Apresentei ao grupo os resultados preliminares dos países hispano-americanos e fiz as comparações com os casos que observamos no Brasil.

Há grandes eixos que são comuns a todas as situações que pesquisamos. A primeira é a demanda juvenil por educação. Embora a maioria esteja na escola, pelo menos no nível do ensino fundamental, são muitas queixas sobre a qualidade dos serviços que recebem, desde os comportamentos autoritários ou desinteressados dos professores até problemas de compatibilizar horários escolares com as necessidades do trabalho. Na bela expressão de uma colega, os jovens querem “uma educação que caiba na vida e faça sentido”.

O segundo eixo é a questão do trabalho. Os jovens vivem uma situação contraditória. Em diversos setores são mão-de-obra preferencial, mas em geral por razões complicadas: têm mais vigor físico e, ao mesmo tempo, vida mais precária, que os leva a aceitar empregos que adultos rejeitariam. Isso fica muito claro em alguns casos que estudamos, como a das empregadas domésticas na Bolívia ou os cortadores de cana no Brasil. Esta última situação, aliás, acaba de ser examinada pela revista Carta Capital, que fez um belo artigo com os colegas da pesquisa que tratam da questão.

Fiz vários comentários no seminário a respeito do recente relatório da Organização Internacional do Trabalho sobre juventude na América Latina. Discutimos inclusive a possibilidade de realizarmos um evento em parceria com a OIT, pois há vários pontos comuns no nosso trabalho e no daquela instituição.

O terceiro ponto que observei é um tanto mais complexo e ainda preciso refletir melhor sobre ele. Trata-se, na falta de melhor expressão, de como os jovens pensam a identidade juvenil. Alguns dos grupos que analisamos rejeitam esse tipo de categoria, vendo a si mesmos de outro modo: como trabalhadores de um setor específico, ou como militantes de um certo partido ou movimento social. Outros afirmaram que se forem classificados como jovens, perdem força política, porque os adultos acham que eles só podem discutir assuntos supostamente típicos da juventude, como drogas e sexualidade, ficando fora dos debates de “gente grande”, como os relativos à economia.

Os temas são comuns aos seis países da América do Sul que analisamos, mas observei duas diferenças básicas do Brasil com relação aos vizinhos do continente. Primeiro, por aqui há mais liberalidade no debate sobre questões sexuais, com uma tolerância muito impressionante diante da homossexualidade (em contraste com os hermanos). Segundo, que a questão da integração sul-americana se colocou com mais força nos países de lingua espanhola, embora também surja nos casos brasileiros, em especial nos assuntos culturais.

Entramos agora na fase final da pesquisa: estamos recebendo os últimos relatórios locais e em breve começaremos a escrever o informe internacional do projeto. Já pensamos também nas estratégias de divulgação e um dos pontos é que fiquei encarregado de um artigo sobre a pesquisa para a edição brasileira do Le Monde Diplomatique, que pretendo estruturar a partir dos eixos que mencionei aqui.

Por fim, estes dias em São Paulo também foram excelentes para rever amigas do meio das ONGs e das instituições da sociedade civil que não via há muito tempo, em alguns casos mais de dois anos. Além do prazer dos reencontros, foi também uma maneira clara de perceber o quanto mudei nos últimos tempos, todas foram muito simpáticas e queriam ouvir as histórias da temporada argentina e das descobertas que tenho feito nas viagens pela nossa América.

Fico o fim de semana no Rio, aproveitando o festival de cinema, e segunda faço uma rapidíssima viagem a Brasília, para outra reunião de trabalho.

4 comentários:

Rodrigo Cerqueira disse...

Olá Maurício,
creio que você está mais bem embasado que eu para falar da juventude na América do Sul e aguardo o resultado da pesquisa de vocês com bastante curiosidade. Ler os três tópicos que você enumerou reforçou algumas opiniões minhas sobre a juventude e pôs outras em questão.
O jovem brasileiro com o qual eu tenho contato está muito preocupado com o mercado de trabalho; abandona projetos de carreira em favor de uma inserção imediata nesse mercado; gosta de pequenos e rápidos debates, às vezes enfurecidos, mas rejeita a discussão aprofundada (em geral, não tem argumentos fora do senso comum); percebe a realidade com injustiças e distorções mas não percebe canais pelos quais modificá-la. Não vejo neles um sentimento de integração regional nem identificação com os atores políticos tradicionais ou de maior peso no cenário nacional. Sobre não gostarem de se definir como jovens para não ficar de fora dos debates, pelo menos os que eu conheço não têm a pretensão de discutir economia ou reforma política num amplo debate. Comigo, em sala de aula, às vezes. Da porta para fora, isso é mesmo papo de "gente grande".
Forte abraço.

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Como você, o que tenho observado coincide com muito da sua experiência - e olhe que você lida com um jovem mais escolarizado, que chegou à universidade - sonho inatingível para a maioria dos que estão na nossa pesquisa.

Eles até estão no mercado de trabalho, mas de maneira informal, em ocupações precárias. O grande sonho é o emprego fixo, de carteira assinada, algo que mais ou menos 1/3 dos jovens consegue. Quando muito.

Com relação aos atores tradicionais (partidos, sindicatos etc) o que tem aparecido é muito mais um sentimento de desconfiança, distância ou mesmo rejeição. Que convive com o desejo de participar mais da vida pública, mas essa vontade com freqüência esbarra em portas fechadas.

Abraços

Sergio Leo disse...

Essa de "rapidíssima" é para se prevenir e já se evitar convites pro chop na capital, né Santoro? Eu também estava no Rio no fim de semana; pena não termos nos encotnrado por lá!

Excelente esse campo de pesquisa; continue nos ifnormando!

grande abraço.

Maurício Santoro disse...

Chope, meu caro, Sergio? Quem sou eu! Tudo o que tive tempo de fazer foi engolir um almoço rápido no restaurante de qualidade duvidosa do Anexo 3 da Câmara dos Deputados.

Mas te adianto que devo organizar um seminário grande em BSB, no fim de novembro, sobre o Parlamento do Mercosul. Provavelmente ficarei dois ou três dias na capital e então certamente teremos tempo para um chope.

Abraços