segunda-feira, 15 de outubro de 2007
O Último Mitterand
Os americanos adoram retratar seus presidentes na ficção, desde os filmes de ação em que Harrison Ford explode terroristas a bordo do Air Force One até séries de excepcional qualidade dramática como The West Wing, ou as Narrativas do Império de Gore Vidal. É incomum que isso ocorra na arte européia, daí o interesse de “O Último Mitterand”, de Robert Guédiguian, no qual um jovem jornalista é escolhido pelo presidente francês para entrevistá-lo e recolher material para uma biografia.
No filme, Mitterand - em interpretação impressionante de Michel Bouquet - está nos meses finais de seus longos 14 anos como presidente. Velho e bastante doente, no entanto mantém a mente lúcida e os instintos aguçados de animal político, que usa numa batalha para se defender das acusações que teria sido cúmplice (ou se omitido diante) de crimes contra a humanidade durante a ocupação nazista da França, entre 1940-1944.
Mitterand, então com menos de 30 anos, foi funcionário de certa importância na República de Vichy, o regime colaboracionista que governou o sul da França numa relação que muitas vezes foi de conluio com os nazistas. Até hoje se discute quando Mitterand se juntou à Resistência. Acabou se tornando assessor de De Gaulle, embora se afastasse progressivamente do general nos anos 50 e 60, e seguisse para a esquerda, até se tornar o primeiro presidente socialista da França, em 1981.
Filho de prósperos comerciantes de província, Mitterand tinha origem social incomum para o partido. No filme, ele compara-se a outros líderes socialistas e comunistas e comenta que não era um intelectual judeu como Léon Blum, nem de família operária como Maurice Thorez. Brinca com a idéia de ser um “traidor de classe”, e por isso a direita francesa o odiaria tanto.
Não sei se o rancor é real. Franceses têm reverência pelo Estado, e por seus representantes. Uma das melhores cenas do filme é Mitterand em visita aos túmulos dos reis na catedral de Chartres. Está claro que se considera mais um na linhagem.
Além disso, os socialistas ganharam a presidência com o programa clássico da esquerda européia pós-II Guerra Mundial, com nacionalizações e aumento do gasto público para gerar empregos, mas aplicaram políticas bem mais conservadoras, de austeridade fiscal. “Por causa da globalização? Da Europa?”, pergunta-se o jovem jornalista.
Mitterand diz no filme que a cor da França é o cinza, e de fato o tom melancólico predomina na fotografia e nas reflexões do roteiro. O país é rico, materialmente confortável, mas há mal-estar no ar, a inquietação de que as coisas não estão como deveriam. Os momentos mais emocionantes vêm de citações literárias: Victor Hugo, Chateaubriand, Lamartine, Rimbaud, Valéry, Antelme, Marguerite Duras... Tradição que muitas vezes pesa, e parece fossilizar os personagens num mundo de sentimentos frios e convenções formais.
Curioso como tantos jovens nos filmes franceses são retratados como pessoas confusas, perdidas entre fumaças de uma retórica progressista e a vida mais ou menos acomodada no alto padrão de conforto da classe média européia. O jornalista de “O Último Mitterand” é outro exemplo dessa lista. Seu nome, Antoine Moreau, tem ressonâncias literárias: o prenome é o mesmo do rebelde alter ego dos filmes de Truffaut, o sobrenome, o do herói do grande romance francês das ilusões perdidas, “A Educação Sentimental” de Flaubert. Acho que não está à altura dos modelos e é somente um rapaz demasiadamente fascinado pelo Poder, umas férias na América Latina lhe fariam bem.
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2 comentários:
Mau,
Fiquei fascinado por este post. Mas que filme é esse que não conheço? Tá no cinema? Vc viu em DVD? Comprou o filme? Conte-me! Conte-me! Conte-me!
Abração
Salve, meu caro.
Vi em DVD. Ele ficou pouquíssimo tempo nos cinemas - me lembro de que quis assistir a ele, mas quando tive tempo, já tinha saído de cartaz. Pensei mesmo em você, falei "Pô, o Igor ia gostar deste aqui."
Abraços
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