domingo, 7 de outubro de 2007
Tropa de Elite
O capitão Roberto Nascimento (Wagner Moura) comanda uma equipe do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Seu primeiro filho está prestes a nascer e ele está à beira de um ataque de nervos, pressionado pela mulher a largar a instituição. Mas precisa encontrar um substituto e se divide entre dois jovens oficiais da PM: o cerebral e reflexivo André (André Ramiro) e o impulsivo Neto (Caio Junqueira). A metade inicial do filme é uma disputa entre polícia e bandido no qual aquele papel cabe ao BOPE e este, ao resto da polícia, com a mãozinha dos traficantes. A segunda parte foca no treinamento dos dois oficiais e numa tragédia pessoal que mistura suas vidas à guerra sem fim do tráfico de drogas carioca. Por coincidência, o clímax é a favela mais próxima da minha casa, o morro dos Prazeres, em Santa Teresa.
A música popular e o cinema sempre contaram as histórias do crime no Rio de Janeiro pela ótica dos bandidos e dos malandros. É mais do que bem-vinda a iniciativa do diretor José Padilha e de seus colegas de roteiro – o ex-capitão do BOPE Rodrigo Pimentel e o escritor Bráulio Mantovani – de narrarem o conflito pela ótica da polícia. Atingiram o nervo. “Tropa de Elite” é provavelmente o filme mais pirateado da história cinematográfica brasileira. Antes mesmo da estréia estima-se que tenha sido visto por mais de 1 milhão de pessoas. As primeiras exibições públicas foram marcadas pela controvérsia – houve aplausos às cenas em que o BOPE tortura traficantes, o batalhão foi ovacionado nas ruas do Rio, suas fardas negras se tornaram sucesso em bailes à fantasia e há até uma campanha pela Internet de “capitão Nascimento para presidente.” Abaixo, paródia feita pelo criador do site "Eu podia tá matando":
O filme é mais ambíguo do que uma ode à violência.
Wagner Moura é um dos grandes atores de sua geração, e um dos mais queridos até no papel de vilão de novela das 20h. Seu capitão Nascimento é um personagem e tanto. Primeiro, tem as duas características básicas de qualquer herói: excelência (é muito bom no que faz) e honra – tem um rígido código de conduta. O problema é que essas regras são incompatíveis com o Código Penal. Nascimento não rouba e odeia policiais corruptos. Mas tortura, assassina e tem sua vida em frangalhos. Sofre de síndrome do pânico, falta de ar, toma tranquilizantes e a violência aflora com tanta freqüência que ele sequer consegue conversar com sua mulher e cuidar do filho recém-nascido. Arrisca a pele em missões que muitas vezes são sem sentido, para satisfazer caprichos dos líderes políticos ou conduzir vinganças pessoais e institucionais. Como o capitão Rodrigo Pimentel dizia num excelente documentário de João Moreira Salles, o conflito do Rio é “uma guerra quase que particular”.
O contraponto de Nascimento são os dois jovens oficiais que treina em busca de um substituto. Neto se parece com que ele foi, André é um policial com alta capacidade intelectual, que cursa Direito na Universidade Católica e tem uma relação que mistura atração e repulsa com seus colegas da classe média alta. Esse, aliás, é o ponto fraco, fraquíssimo do filme. Os amigos de André são representados como hipócritas, drogados que dirigem uma ONG mantida por um político e agem em conivência com o traficante -um deles inclusive revende drogas na faculdade. É difícil encontrar tantos defeitos concentrados em tão poucas pessoas e o roteiro acaba sugerindo (ou mesmo impondo) ao espectador escolher entre o BOPE e a cumplicidade com o crime. Ora, claro que todos escolhemos o capitão Nascimento, que aliás narra o filme com um discurso de ou-você-está-comigo-ou-está-contra-mim. O filme funcionaria melhor sem essa narrativa em off.
O retrato que da PM no filme é igualmente radical. Neto e André são mostrados como idealistas que procuram se manter honestos em meio ao caos e à corrupção que dominam o batalhão onde servem, em Copacabana. A roubalheira é generalizada: o coronel e os demais oficiais levam dinheiro de traficantes, bicheiros, bordéis, clínicas de aborto, extorquem comerciantes por proteção, vendem peças dos automóveis, negociam apoio a políticos corruptos etc. Até para tirar férias os soldados precisam entrar no esquema e subornar os superiores.
Nesse contexto, os homens do BOPE surgem como os cavaleiros vestidos de negro que protegem a sociedade do crime e da própria polícia. São sérios, competentes, bem armados, bem treinados. Mas é difícil afirmar que o filme prega a moral de que “os fins justificam os meios” porque ao fim as missões da tropa de elite parecem inúteis, o que chamamos no Rio de “enxugar gelo”. As cenas de tortura e execução são fortes: a mais usada é a asfixia com um saco plástico, junto com espancamentos, ameaças de execução (algumas concretizadas) e uma quase impalação com cabo de vassoura. No entanto, o BOPE do cinema só tortura culpados e sempre que o método é utilizado, produz resultados, gera informações que ajudam os protagonistas. Será que haveria entusiasmo popular com Nascimento e seus homens caso o roteiro os exibisse torturando e matando inocentes?
O personagem interpretado por Wagner Moura ficou no foco das atenções, mas chamo a atenção para o excelente desempenho de André Ramiro, que antes do filme era porteiro de cinema. O rapaz dá um show como o aspirante André, o protagonista que mais se transforma ao longo do filme. Olho nele: ainda o veremos em outras ótimas atuações.
PS – Flávia, minha colega de IBASE, realizou uma entrevista com José Padilha, diretor e roteirista de “Tropa de Elite”. Cliquem no link para acessar o texto.
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4 comentários:
Lembrei do GAL, um grupo de extermínio montado durante o governo de Felipe Gonzalez para ser a mão dura contra o grupo ETA. Seu primeiro ato foi sequestrar um dirigente do ETA na França para quebrar o espírito de refúgio que esse país representava para os membros da organização. Resultado: sequestraram a pessoa errada e criaram um grave quiprocó diplomático com a França, o que atrasou o combate a esse grupo terrorista naquele país. Não satisfeitos, posteriormente sequestraram um alto dirigente dessa mesma organização e fizeram um interrogatório com base em afogamentos numa banheira. Erraram a mão e o cara morreu. Quando a notícia subiu a linha de comando do Ministério do Interior descubriram que o torturado era um agente do serviço secreto infiltrado no ETA.
Será que haveria entusiasmo popular com Nascimento e seus homens caso o roteiro os exibisse torturando e matando inocentes?
Mas aí é que está, Mauricio. Isso é proposital. Padilha está dizendo que a tortura funciona, e feita por gente "honesta", vale a pena.
Não achei o filme nem um pouco ambíguo. Achei um comercial do BOPE. Só faltou uma mensagem institucional no final: aliste-se!
Nem de longe o filme é um comercial do BOPE. Ele mostra todo o tipo de corrupção que vivemos dentro dessa sociedade extramamente violenta, que prefere achar que só acontece na Zona Norte.
Também não concordo quem o núcleo PUC/ONG seja o ponto-fraco do filme. É claro que todos os personagens são caricatos, nem todo PM é ladrão, nem todo soldado do BOPE é o Nascimento, nem todo estudante é maconheiro. Mas quem de nós que passou por uma faculdade, e não conheceu alguém que ia buscar no morro para revender no Campus? Quem de nós que não foi parado em um blitz tendo alguma coisa errada e recebemos a "indireta" do podemos dar um jeito? E me diga, se não é hipocrisia subir o morro, comprar drogas na sexta e na segunda fazer passeata contra a violência?
Achei o filme perfeito por toda essa ambíguidade. Pena que ele não tem sido claramente compreendido e o BOPE virou herói.
Olá,
Sim, Patrick, todas as guerras sujas acabam se parecendo. Dá para imaginar um contexto semelhante ao Tropa de Elite em muitos países. Na América Latina, o que me veio à mente foi o combate ao Sendero Luminoso, no Peru.
Marcus, eu também gostaria de uma visão mais matizada do BOPE. Não acho que seja um comercial do batalhão, mas o filme radicaliza na visão da PM e da classe média e aposta no BOPE como o redentor, ainda que com métodos questionáveis, dessa situação.
É um contraste curioso com as obras anteriores do José Padilha (Ônibus 174) e do próprio livro "Elite da Tropa", do qual o capitão Rodrigo é um dos autores.
Salve, Leandro. Rapaz, nossos bairros saem muito mal na fita. Copacabana e Santa Teresa aparecem como territórios do caos. Não é à toa que uma população tão assustada transformou o capitão Nascimento no herói nacional, mesmo que não fosse exatamente essa a intenção do filme.
Abraços
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