sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Diálogo com a Índia


Entre as muitas ameaças à paz mundial, uma me preocupa em especial: a próxima novela de Glória Perez será sobre as relações entre Brasil e Índia, narrada a partir de uma história de amor bi-nacional. Sim, ela já fez isso em América, deixando traumas indeléveis entre as nações retratadas na trama. Enquanto as ogivas nucleares indianas não sobrevoam os oceanos rumo ao Projac, mergulho no estudo do país, que talvez seja o primeiro passo rumo a uma pesquisa mais ampla sobre estratégias de desenvolvimento na Ásia.

Quinta e sexta estive no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, para seminários sobre a Índia e a respeito do Diálogo que ela mantém com Brasil e África do Sul (Fórum IBAS). Acompanho o tema desde a criação da iniciativa e é impressionante a reação positiva da comunidade acadêmica brasileira, com a fundação de centros ou programas de estudos nas universidades de Brasília e Federal de Minas Gerais. Está em formação no país uma equipe de pesquisadores dedicados a entender a ascensão global indiana.

Grosso modo, a história econômica da Índia entre 1947 e 1991 é a de realizações modestas, simbolizadas no que ficou conhecido como “taxa de crescimento hindu”, de 3%ao ano. O modelo de substituição de importações era ainda mais fechado do que os implementados na América Latina - bem mais restritivo ao investimento externo, o país chegou a expulsar a Coca Cola! O sistema de permissões e autorizações, o Licence Raj (Raj era o domíno britânico na Índia) era um poço de ineficiência e corrupção.

A crise do modelo veio com a Guerra do Golfo, devido ao aumento nos preços do petróleo e a repatriação de centenas de milhares de indianos que trabalhavam nos países árabes, cujas remessas em dólares eram fundamentais para manter as contas nacionais equilibradas. Houve um movimento de liberalização, ainda que mais limitado do que na América Latina, e a ascensão de setores dinâmicos da economia, como a indústria de software e de telecomunicações – a Índia é talvez o principal centro de terceirização mundial de atividades como call centers e contabilidade empresarial.

A guinada econômica foi acompanhada por transformações na política externa, que abandonou a proximidade com a Rússia por uma semi-aliança com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que procura lidar com tensões mal-resolvidas com a China e as eternas disputas com o Paquistão, e agora ambos os países são potências nucleares. Além disso, a Índia iniciou a estratégia diplomática de “Olhar para o Leste”, reforçando vínculos com as potências econômicas da Ásia-Pacífico.

Natural que esta amplitude de horizontes signifique mirada mais profunda àquela outra grande democracia em desenvolvimento, o Brasil. Há intensa cooperação entre os dois governos na ONU e na OMC (embora o protecionismo agrícola indiano tenha atrapalhado bastante a Rodada Doha), comércio crescente e muitos projetos de cooperação. Me parece que agora as respectivas sociedades também começam a se examinar com atenção, em busca de possibilidades conjuntas de negócios, aprendizados e parcerias.

Mais do espectador, quero ser parte do processo. Tenho lido bastante sobre a Índia e há diversas obras sobre o país na minha lista. Um amigo que leciona na Inglaterra me convidou para enviar trabalhos para uma conferência que ele prepara a respeito do Fórum IBAS. A idéia é ótima, mas não sei se terei tempo de apresentar um trabalho no prazo. Gostaria de entender o aspecto econômico, diplomático e as mudanças políticas internas, como o fortalecimento do fundamentalismo religioso hindu.

Também planejo viajar à Índia em algum momento dos próximos anos e conhecer pelo menos a capital, Nova Délhi, e os centros financeiros e tecnológicos – respectivamente, Mumbai (Bombaim) e Bangalore. Quem sabe o interesse não se misture com algumas das tarefas que eu assuma na minha nova vida de tecnocrata?

2 comentários:

Sergio Leo disse...

É meu caro, a Índia vale o esforço. Uma das coisas que me chamou muito a atenção quando estive lá foi a precariedade da infra-estrutura. Como pode crescer um país que depende, no centro da capital, de gerares a diesel para sustentar o comércio?

Parte do "milagre indiano", segundo me argumentou um economista de lá, ex-dirigente do Banco Mundial, se explica pela industrialização tardia _ a Índia está alcançando, hoje, o nível de industialização a que chegamos nos anos 50. Parted e um patamar bvem atrasado, e por isso seus ganhos são tão impressionantes. Ao mesmot empo, está no século XXI em matéria de serviços, como v. aponta no post.

A burocracia ainda é medonha, como se percebe no contato com qualquer órgão público. E há curiosidades, como a proibição de instalação de grandes cadeias de varejo, que só agora começam a ser permitidas na Índia, onde os pequenos comerciantes são a tônica na rede de distribuição.

País interessante.

Maurício Santoro disse...

Salve, Sergio.

Pois é, vi discussões interessantes sobre a questão da energia, inclusive chamando a atenção para que gigantes do setor de TI, como a Infosys, têm seus próprios geradores.

O que mais me impressiona é como a economia ainda depende da agricultura camponesa, de baixa competitividade, e claro, o impacto dessa ligação em fóruns como a OMC.

Abraços