sábado, 9 de agosto de 2008

Guerra no Cáucaso


Qualquer crise política que envolva a Rússia faz todos os outros problemas diplomáticos parecerem minúsculos, certa observou um amigo jornalista que ocasionalmente escreve sobre o país. A guerra entre Rússia e Geórgia acontece por causa da tentativa de Moscou de manter o domínio sobre as antigas repúblicas soviéticas, regiões marcadas por enorme fragmentação étnica, presença de expressivas minorias russas e a ascensão do fundamentalismo islâmico.

Tudo isso em área estratégica, por onde passam gasodutos e oleodutos importantes para a indústria de energia que se transformou na base da recuperação econômica russa e de seu pleito a retomar o status de grande potência, depois da década mais humilhante da história russa desde o colapso do czarismo.

Há muitas zonas de tensão opondo Rússia e OTAN, as duas principais estão nos países bálticos (lembram da ciber-guerra contra a Estônia?) e no Cáucaso, sobretudo na Geórgia e na Ucrânia. As negociações dos dois países para ingressar na OTAN foram um dos temas mais polêmicos da reunião de cúpula da organização, em abril.



O conflito étnico na Geórgia vem em escalada desde o fim da URSS – chegou a haver guerra civil por lá em 1991/1992 - e se tornou mais explosivo após a independência do Kosovo, pois os separatistas na Ossétia e na Abkhásia argumentam que se a ex-província sérvia pode ser um país autônomo, eles também tem o direito. Os separatistas também temem o ingresso da Geórgia na OTAN, e o amparo do Ocidente aos propósitos desse Estado em manter o controle sobre os territórios contestados.

A metade norte da Ossétia é uma região com certo grau de autonomia na Federação Russa e, historicamente, os ossétios têm sido aliados da expansão no Cáucaso dos regimes controlados por Moscou, dos czares a Putin, passando pelos comunistas. Mais de metade dos ossétios possuem cidadania russa e analistas europeus acreditam que a Rússia aproveitará a crise para tentar incorporar toda a Ossétia, desse modo enfraquecendo a Geórgia pró-Ocidente.



Naturalmente, não está claro qual será o desfecho da crise. Uma delegação conjunta de representantes dos EUA, da UE e da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa está a caminho para tentar negociar um cessar-fogo. As estimativas são de que mais de 2 mil pessoas já morreram nos combates, em poucos dias. É um número enorme: a título de comparação, a guerra das Malvinas durou quatro meses e teve 1/3 desse total de mortos. A alta cifra provavelmente se deve aos bombardeios de cidades, o número de baixas civis deve ser muito elevado.

9 comentários:

Unknown disse...

Mauricio, parabéns pela clareza do texto e pela belíssima explanação crítica acerca do tema.
O referido assunto ainda será objeto de muitos e muitos telejornais nos dias vindouros.
Abraços,
Ana Paula
(Coisas da Diplomacia)

Maurício Santoro disse...

Obrigado, Ana. As últimas notícias são as de que os russos tomaram a capital da Ossétia do Sul, que por sua vez está a apenas 100 Km da própria capital da Geórgia. Vamos seguir com o acompanhamento dos fatos...

Abraços

Anônimo disse...

a região do Cáucaso, por sua diversidade étnica e o vácuo deixado pelo desaparecimento da URSS chega a ser uma candidata a "subsistema de segurança regional". mas para isso ocorrer as atenções deveriam se voltar a Ucrânia, se essa confirmar sua entrada na OTAN. Li muito esses dias que os ossetas do sul querem internacionalizar o conflito. ok, mas da parte da Rússia a questão também é de distribuição mundial de poder, pois o objetivo final é manter a região livre da infûência norte-americana no Cáucaso e na Eurásia como um todo. A Geopolítica de vez em quando mostra que essas historinhas de "westernalization" devem ser entendidas com restrições.

Meu caro, o edital da ABIN já vai sair, me pegou um pouco de surpresa. Estou com pouco tempo para estudar tudo o que gostaria. Acho que vou ter que priorizar disciplinas.

abraços jogador.
Helvécio

Maurício Santoro disse...

Salve, meu caro.

Tradicionalmente o Cáucaso é uma arena de disputas entre Rússia, Turquia e o Ocidente, que em sua versão atual significa principalmente a OTAN e a UE.

Sem dúvida, a Ucrânia é o Estado-pivô de toda a área. Foi sempre a grande janela do império russo para a Europa, além do seu litoral conceder o precioso acesso aos estreitos do Mar Negro.

No fundo o que todos esses conflitos mostram é a primazia da boa e velha geopolítica, ao menos para uma nação com um problema de (in)segurança crônica como a Rússia...

Segundo me consta o edital da Abin sairá nesta semana. Há boatos que haverá aumento das matérias com relação a 2004, mas não aposto num grande número delas. E sua formação em RI ajudará, e muito!

Abraços

Anônimo disse...

OI Maurício,
faz tempo que não leio "Todos os Fogos". Sem dúvida a guerra do Cáucaso, mas uma vez reforça as incompreensões nesta região, aliadas a fortaleza que vem sendo formada com a questão dos monopólios de energia e petróleo. É cada vez mais crítico e devastador ver tanta gente morrendo entre interesses políticos e intolerâncias étnicas. Eu ainda me indigno com muita coisa, acho que é o que nos resta; nos indignar, e opor a tudo isso. Pior, que no fim de tudo, os argumentos dos governantes tentam ser dos mais convincentes possível, mas na verdade, só mascaram seus próprios interesses.
Saudades das aulas na Pós da UCAM. Bem, estou seguindo meus caminhos por um atalho, ao menos tentando.
Grande abraço Professor

Carla Araújo

Maurício Santoro disse...

Cara Carla,

Penso que presenciamos no Cáucaso a repetição de um velho, velhíssimo padrão de disputas políticas que terminam em morte e sofrimento desnecessários.

Nas atuais circunstâncias (Iraque e Afeganistão) não há muito que a OTAN possa fazer a não ser solicitar mediação e implorar moderação aos russos, o que certamente passará uma mensagem poderosa aos países do Cáucaso sobre quem realmente manda na região...

Abraços

Anônimo disse...

Sou fã do seu blog e das suas análises sobre PI n'América Latina. Mas essa sua análise sobre o conflito foi muito superficial, deixou de levar em conta o que aconteceu recentemente em Ajara, as constantes provocações de Saakashvili (tanto verbais quanto ataques de capangas à peacekeepers russos na Odéssia), ao fato da Georgia ser o terceiro maior contingente da coalizão no Iraque...

No fim é um toma-lá-dá-cá, tomaram Kosovo de um aliado russo, tomam a Odéssia de um aliado americano.

(E esse papinho do Pentágono de força 'desproporcional', hein?! Onde já se viu entrar em guerra para perder soldados...)

Anônimo disse...

Leia-se Ossétia. ;)

Maurício Santoro disse...

Olá, Marcos.

A situação é tensa na região desde o fim da URSS. É verdade que nos últimos três anos, desde a posse do novo presidente, as coisas pioraram (a participação na guerra do Iraque, os embargos econômicos) mas o golpe de misericórdia foi a decisão russa de retaliar o Ocidente por causa da independência de Kosovo.

Ninguém esperava o ataque russo (não houve concentração de tropas, a não ser na véspera do ataque), tanto que é há os soldados da Geórgia voltando às pressas do Iraque, onde seu governo esperava que obtivessem treinamento valioso, além do apoio americano.

Abraços