quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Maradona e os Fundos de Pensão Argentinos (Tudo faz Sentido)
Homem vestido de padre, num bar: “Ele foi crucificado pelos seus próprios seguidores!”
Chega um amigo: “Ok, basta de religião.”
Homem: “Mas eu estou falando sobre Maradona!”
Do filme argentino “O Filho da Noiva”
Não sei se a nomeação de Maradona para técnico da seleção argentina será boa para a equipe nacional, mas com certeza renderá momentos emocionantes, dramáticos, engraçados e divertidos para todos os fãs de futebol. Em especial se você, como eu, acha que o estilo da era Dunga é mais adequado às propagandas de calmante do que ao esporte mais popular do planeta. Maradona é garantia de paixão em campo, sempre.
Quando eu morava na Argentina, era inevitável que amigos e conhecidos me perguntassem quem eu achava que era o maior jogador de futebol de todos os tempos: Maradona ou Pelé. O questionamento se dava no seguinte contexto:
1)Eu era o único aluno brasileiro da universidade.
2)Meus interlocutores com freqüência traziam tatuagens de Maradona. Que diabos, o ídolo tem até sua própria religião.
Ainda estou vivo, em grande medida porque elogiava Garrincha, cuja vida parece letra de tango, e é muito querido pelos argentinos. E claro, dom Diego é fascinante. Como já escrevi neste blog: “Maradona, por contraste [com Pelé], é o gênio irreverente e rebelde, amigo de Chávez e de Fidel. Mas seu talento convive com uma pulsão autodestrutiva quase incontrolável, ainda que balanceada pela capacidade de recomeçar do fundo do poço e reinventar-se. Qualquer semelhança com a história recente da Argentina não deve ser mera coincidência. “
Maradona irá compartilhar o comando da seleção com o antigo técnico da equipe campeã em 1986, Carlos Gilardo, que agora assume como “manager” (assim mesmo, em inglês). Não está clara para mim qual a esfera de responsabilidade de cada um. Os dirigentes futebolísticos argentinos declararam que Maradona será o número 1, mas me parece que está armado o cenário para uma fogueira de vaidades e problemas de coordenação entre as duas super-estrelas esportivas.
Impossível evitar a comparação com o que acontece na Casa Rosada. Os jornalistas políticos argentinos também falam sobre os riscos do “doble comando” - só que no governo nacional, em relação à presidenta Cristina Fernández e seu marido, Néstor Kirchner. Morales Solá analisa que com a sucessão de crises, o poder estaria se concentrando mais no ex-presidente. Eu acrescentaria os problemas na coalizão oficialista, como os conflitos com o vice Julio Cobos, cuja dissidência foi essencial para a derrota governista na votação sobre os impostos ao agronegócio.
Na semana passada a presidenta Cristina determinou a estatização dos fundos de pensão argentinos, que haviam sido criados por seu antecessor Carlos Menem. A cobertura da imprensa tem sido tão hostil à decisão que não consigo entender com clareza as razões do governo. Talvez a Economist tenha razão e se trate de um movimento para usar os US$30 bilhões dos fundos para pagar o serviço da dívida pública, em cenário de problemas fiscais e queda nos preços das commodities. Um olhar mais simpático ao oficialismo poderia afirmar que Cristina aproveita a onda mundial de nacionalizações para reverter a privatização da previdência implementada por Menem, que muitos no peronismo nunca consideraram boa idéia. Em todo caso, a estatização precisa ser aprovada pelo Congresso, o que será batalha dura.
Os fundos são donos de cerca de 25% das ações na bolsa argentina, que despencou em reação à nacionalização. O risco-país também subiu muito. A Casa Rosada resolveu se desfazer dos investimentos que os fundos tinham no Brasil (coisa pouca, mas ainda assim...) e sugeriu que o Mercosul poderia aumentar as tarifas comerciais por conta da crise. Com essa conjuntura, mais Maradona, não faltará emoção vinda do país vizinho.
A foto que abre o post vem do bem-humorado comercial de guaraná no qual Maradona tem um pesadelo (após uma overdose, mas calma, era de refrigerante!) e sonha que está jogando pela seleção brasileira. Muita gente não gostou na Argentina, mas achei um belo exemplo da capacidade de Dom Diego de rir de si mesmo. Pelé só faz humor involuntário, como quando estrela anúncio de remédio contra impotência.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
He,he,
acho que música e futebol são sempre jeitos muito privilegiados de se compreender um país...
Tudo faz sentido na Argentina... sem dúvidas. HAHAHA
Uma coisa do Diego é que divide as águas entre os argentinos. Assim como você tem que ser peronista ou radical, estar com o campo ou com o governo, também tem que ser "maradoneano" ou "antimaradoneano". Os antimaradoneanos odeiam ao Diego pelo pasado nas drogas, a sobérbia, a mala imagem que deixa da Argentina, etc. Minha família é 100% antimaradoneana, sempre o criticam como "mal ejemplo". Eu näo sou nem maradoneano nem anti, tento ter uma posiçäo média, mas já save que isso é muito difícil aqui!
Sob os fundos de pensäo, a oposiçäo diz que é uma estratégia pra ter dinheiro nas eleiçöes de 2009.
Obrigado por falar da Argenina! Fazia muito que näo comentava. Até iba te "exigir" um artigo. HA HA HA HA
Saludos
Hola, dom Patricio.
Alguém precisa fazer um estudo aprofundado sobre os sentimentos dos argentinos a resepeito de Maradona. Por exemplo, será que os fãs do craque são mais propensos a votar no peronismo?
Fazia mesmo algum tempo que não escrevia sobre seu país, mas em grande medida é pela minha perplexidade em entender as ações recentes na política argentina.
Abraços
Eu também tenho uma posição dúbia quanto ao ícone Maradona. Minha brasilianidade me obriga a classificá-lo como ''un pelotudo de mierda'', mas até que eu acho as tatuagens dele um tanto quanto simpáticas, confesso.
Caro amigo:
Concordo! Penso que os seguidores da última hora do Diego säo mais peronistas do que a média. Deve influir o status social e, também, a idéia dum "líder". Suponho que os boquenses também säo mais peronistas; pense que Boca e mais comum entre as classes baixas.
Saludos!
Patricio Iglesias
Postar um comentário