segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Os Tudors


Tema: Governo de Henrique VIII

Contém: Relação Sexual, Assassinato, Nudez, Suicídio e Masturbação.



Essa é a etiqueta do DVD e pelo aviso já se entende parte do sucesso da série de TV "Os Tudors". De fato, a história da dinastia é um prato cheio para tablóides de qualquer época e o programa dosa em boas medidas as intrigas sexuais e políticas de um dos momentos mais conturbados da história britânica. No Brasil, a série passa no canal People + Arts, às 22h de quinta-feira.

Os excelentes roteiros são escritos por Michael Hirst, que se baseou nos agéis diálogos de Aaron Sorkin da Casa Branca de The West Wing, e em seu próprio filme sobre a rainha Elizabeth. A imagem clichê de Henrique VIII é a do gordo barbudo, com seus divórcios movidos à decapitação. A série brinca com essas expectativas, mostrando o monarca como um popstar do Renascimento, inteligente, belo e dinâmico. Ele é interpretado pelo galã Jonathan Rhys Meyers, que está muito bem no papel. O problema é sua idade. Supostamente começa a saga com vinte e poucos anos, mas alguns personagens envelhecem à sua volta, enquanto ele se conserva jovem.

Contudo, isso não chega a ser um problema na primeira temporada, que acabou de sair em DVD. Os dez episódios são conduzidos por duas tramas que se intercalam: Henrique VIII se apaixona por Ana Bolena e tenta se divorciar da rainha para se casar com ela; e o cardeal Wolsey - na prática, o primeiro-ministro do rei - arquiteta maquinações para dar um pouco de estabilidade à Inglaterra, numa Europa em chamas pela Reforma protestante e pelas rivalidades entre a França, o Império Hapsburgo e o Papado.

Ana Bolena é um dos papéis mais difíceis que posso imaginar. Como personagem histórica, ela era uma nobre menor, educada nas Cortes dos Valois franceses e dos Habpsburgo austríacos, acompanhando seu pai diplomata. Deve ter sido uma mulher extremamente sofisticada e inteligente, além de bonita. Uma flor exótica que enfeitiçou o rei ao ponto de fazê-lo romper com a Igreja. Na série, ela é vivida pela estreante Natalie Dormer, que tem beleza mas não consegue impor a dimensão do que deve ter sido Ana e a retrata como uma patricinha agitada.



O melhor ator da temporada é Sam Neill, que interpreta Wolsey astuto como um cardeal Richelieu, mas ao mesmo tempo dolorosamente humano e frágil. Consciente de suas fraquezas e frustrado diante do fracasso em seus planos em se tornar papa e da dificuldade de lidar com a demanda de Henrique VIII para casar com Ana. Ele gosta do rei e lhe é fiel até certo ponto - já que cede à corrupção dos franceses, por seu amor ao luxo e aos confortos materiais. A Corte britânica é mostrada como um imenso Big Brother, marcado por disputas constantes, onde todos se vigiam, e qualquer simbolismo ganha força extraordinária, caso mostre proximidade com o rei.

Infelizmente Wolsey sai da série na segunda temporada, mas a excelência na atuação continua com a Igreja: Peter O´Toole dá o show habitual, desta vez como o papa Paulo III.

A série é bem mais centrada nos dramas dos personagens do que no contexto histórico e imagino que alguns espectadores fiquem um tanto perdidos em meio à citação rápida de fatos e personagens cruciais, como os escritos de Lutero e Erasmo, o saque de Roma pelas tropas do imperador Hapsburgo e mesmo Michelangelo que aparece aqui e ali trabalhando nas obras da Basílica de São Pedro.



Em linhas gerais: os Tudor foram a dinastia que governou a Inglaterra entre 1485 e 1603. Sua escalada ao poder começou com Henrique VII, que matou Ricardo III em batalha e se apoderou da coroa. A vitória pôs fim a uma guerra civil de 30 anos, entre as casas de York e Lancaster. Henrique VII pertencia à segunda, mas se casou com uma princesa da primeira.

Seu filho, Henrique VIII, chegou ao trono consciente da fragilidade de sua dinastia e apavorado com a possibilidade de retorno à guerra civil, em particular porque havia nobres com pretensões bem mais legítimas à coroa do que aquelas de sua família. Para garantir a estabilidade ele precisava de filhos homens, legítimos, que pudessem ser seus sucessores. A rainha só conseguiu lhe dar uma menina. Ele teve bastardos com outras mulheres, inclusive com Mary Bolena, irmã de Ana. Mas o imponderável que ronda as paixões humanas mudou o curso da história.

Claro, havia a Reforma. A Igreja da época era um amontoado de corrupção e desordem. A série não foca esse aspecto: os personagens católicos são modelos de virtude, como a rainha Catarina e o filósofo e conselheiro real Sir Thomas More. E os protestantes são retratados de modo ambíguo, mais como oportunistas a serviço do Estado absolutista nascente. Como a série é co-produzida por irlandeses, acho que está aí a explicação...

No fim, Henrique VIII conseguiu um herdeiro legítimo, mas não de Ana. Contudo, foi sua filha com ela - Elizabeth - que logrou a tão sonhada estabilidade e prosperidade à Inglaterra. Nenhum dos descendentes de Henrique VIII teve filhos, o que talvez não seja de espantar, dada a história da família. Mestre Machado de Assis diria que optaram por não transmitir a outros seres o legado de nossa miséria.

3 comentários:

Anônimo disse...

The Tudors é um seriado excelete, já estou assistindo a segunda temporada pelo canal People and Arts da Sky. O amor por Ana Bolena dever ter influenciado o Rei mas, será que foi só por causa dela que ele fez aquela revolução toda?

P.R. disse...

sei que não deveria, mas eu amo The Tudors.

Maurício Santoro disse...

Olá, Ana.

Toda a minha formação acadêmica diria que o rei agiu por complexas causas sociais e etc, mas minha intuição (ou o simples lado de fã da série de TV) aponta para que, sem Ana Bolena, a Igreja anglicana não teria sido criada. Ou pelo menos, não por Henrique VIII.

Querida Pat,

Por que o drama de consciência? Não digo que Ana Bolena foi uma precursora do feminismo, mas podemos interpretar seu drama como a tentativa desesperada de encontrar um lugar para si mesma na Corte, com influência e voz, para além de ser simplesmente um objeto do desejo como amante do rei.

Abraços