terça-feira, 28 de outubro de 2008
Um Novo Bretton Woods?
O premiê britânico Gordon Brown tem ressaltado a necessidade de redesenhar as organizações econômicas internacionais, adequando-as à interdependência global, aos enormes mercados financeiros e à ascensão da China e da Índia. Em suma, ao século XXI. Os demais chefes de governo europeus se juntaram ao coro e os Estados Unidos convocaram cúpula financeira para o dia 15 de novembro, e convidaram diversos países emergentes, inclusive o Brasil.
Há pouco mais de 60 anos houve um conclave parecido num elegante hotel de montanha na cidade de Bretton Woods, nos EUA. Era abril de 1944 e a Segunda Guerra Mundial estava em curso. Os nazistas já haviam sofrido derrotas no front soviético em Stalingrado e Kursk, e o Japão vira sua frota naval dizimada em Midway, mas ainda faltava o desembarque aliado na Normandia. Contudo, os negociadores americanos e britânicos, em conjunto com representantes de outros 42 países, desenharam na conferência o mapa da economia internacional para o pós-guerra. O resultado foram as instituições do Banco Mundial, FMI e as bases do GATT – a estrutura que amparou e estimulou o crescimento global das décadas de 1950-1960.
Bretton Woods determinou que as moedas mundiais teriam câmbio fixo com relação ao dólar, que por sua vez se lastrearia no ouro. O comércio seria liberalizado, numa série de rodadas de negociação, mas os fluxos de capital seriam submetidos a muitas restrições e controles. O arranjo funcionou bem até os anos 60, quando os Estados Unidos começaram a sentir os efeitos da competição crescente da Europa e do Japão reconstruídos, e sofreram com inflação e dívida pública decorrentes da pressão combinada da Guerra do Vietnã e dos ambiciosos programas sociais do presidente Lyndon Johnson.
Nixon mandou o sistema pelos ares em 1971, cancelando a vinculação do dólar com o ouro. O câmbio passou muito volátil, situação que persiste até hoje. Seus sucessores na Casa Branca desregulamentaram o mercado financeiro e apostaram no setor para superar a crise de baixo desempenho das manufaturas americanas.
As instituições de Bretton Woods têm sido muito criticadas por sua pífia atuação em crises recentes, em particular a dos mercados emergentes em 1997-2002. Afinal, são organizações que podem disponibilizar alguns bilhões de dólares, quantia pouco relevante no contexto de circuitos financeiros que mobilizam mais de um trilhão, diariamente. Nas turbulências atuais, o FMI parece ter encontrado uma função: auxiliar Ucrânia e Hungria, cuja situação séria pode arrastar toda a Europa Oriental. Pelo menos os problemas dos antigos países comunistas irão distrair o diretor do Fundo, que se recupera de um escândalo sexual envolvendo uma subordinada chamada Piroska.
Quais seriam as novas funções/instituições de um Bretton Woods redesenhado? Há consenso de que são necessários melhores mecanismos de regulação e transparência. Isso significaria organizações internacionais capazes de desempenhar papéis análogos ao da Securities and Exchange Commission que monitora as bolsas dos Estados Unidos, ou ao Comitê da Basiléia para Supervisão Bancária, que opera no BIS, o Banco Central dos Bancos Centrais.
Talvez possam funcionar como uma espécie de Estado-Maior para a coordenação das respostas dos governos à crise. Elas têm sido semelhantes: cortes na taxa de juros, aumento da liquidez e do crédito, nacionalizações/compra de ativos em bancos e corretoras, garantias a depósitos bancários e veto a determinadas operações financeiras, como short selling.
Possibilidades interessantes. Aguardemos.
Dois mapas ilustram o post. O primeiro representa a distribuição da riqueza mundial em 1900. O segundo mostra as projeções para 2015. O mundo mudou. Notem como Ásia e América Latina aumentam em importância, ao passo que diminui a influência da Europa. Fonte: o excelente Atlas of the Real World.
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18 comentários:
Olá Maurício, tudo bom?
Lendo seu post fico até envergonhado do meu post no Botequim (http://botequim-academico.blogspot.com/) sobre o mesmo assunto. A passada pelo histórico do sistema, me lembrou a aula da Cândido.
Por aqui, teve também uma discussão na faculdade de economia sobre o que ensinar na universidade e quais seriam os impactos da crise no ensino da economia daqui para frente. Muito interessante.
Com relação ao novo Bretton Woods, é engraçado a Europa trazer esse debate e leva-lo aos EUA.
No tocante às novas funções, às vezes fico querendo que eles só voltem à velha e original função, injetar liquidez no mercado, e corrigir imperfeições do mesmo.
Grande abraço,
Ramon
Oi Maurício.
Eu não sou nenhuma autoridade conhecedora dos meandros obscuros da economia, mas tenho preferido não acreditar nem no fim do liberalismo, tampouco no desmonte do sistema de Bretton Woods. É certo que o FMI deixou de ser a autoridade única nas finanças internacionais, à medida que iniciativas de criação de bancos regionais como o da Ásia da América do Sul têm ganhado mais respaldo a cada dia. Entretanto creio que é preciso ir com calma com as análises, para se evitar teorias pré-datadas dos FINS DAS COISAS como nos anos 90.
O Capitalismo já sofreu revezes piores do que este e essa crise pode não passar de uma reacomodação de forças dentro da mesma lógica integracionista liberal na dimensão INTRA-regional e uma organização neokeynesiana na relação INTER-blocos.
É só uma das idéias.
Meu caro Ramon,
A única coisa da qual você deve se envergonhar é não ter avisado do lançamento do seu ótimo blog, já devidamente acrescentado à lista dos sítios imperdíveis.
Caro Pedro,
Me parece que é a crise mais séria em pelo menos 40 anos para os EUA e a Europa, mas que seu impacto é bem mais matizado na China, Índia e mesmo no Brasil.
Acho difícil que o neoliberalismo morra - sempre haverá pessoas defendendo essas idéias - mas com certeza a nova ortodoxia que sairá desta crise será bem mais voltada ao papel do Estado da economia. Menos Friedmann e Haykek, mais Keynes.
Não sei se o sistema Bretton Woods será de fato remodelado, mas acredito que é a melhor oportunidade em muito tempo.
Abraços
Maurício,
Estou seguro que essa nova reacomodação representará um fortalecimento do Keynesianismo na Europa e nos EUA, o que nunca foi totalmente abandonado na prática.
Eu realmente acredito no liberalismo intra-bloco, com keynesianismo inter-blocos. Vai ser interessante ver o MERCOSUL sair dessa crise ainda mais unido, inclusive coordenando as políticas macroeconômicas intergovernamentalmente, quiçá supranacionalmente.
Abraço.
Salve, Pedro.
Não sou tão otimista quanto ao Mercosul. Os países do bloco são mais dependentes das commodities do que o Brasil, e provavelmente sentirão o impacto da crise com mais força. Mas esse é um pouco o tema do meu post desta quarta.
Abraços
Oi!!
Bem, em relação as grandes corporações, até algumas delas quebrarem, o que fez com que fossem sólidas, sustentáveis? Hoje me deparei com esta pergunta durante a aula de finanças(e tenho q desenvolver um trabalho). Eu acredito que essa solidez se deve a credibilidade, que foi gerada pelo proprio sistema financeiro já que este é pouco regularizado e deixam essas corporações agirem como quizerem. Isto tanto no âmbito nacional como no internacional. Acho que a "solução" seria uma mudança nestas instituições internacionais e fortalecimento do Keynesianismo nos Estados.
O que você acha disso?
Abs, Isa
Maurício, nesse debate entre revisionistas e declinistas (sobre a atual situação do sistema econômico neoliberal) quem você acha que tem razão: aqueles que acreditam no fim do neoliberalismo ou aqueles que nos lembram da capacidade do capitalismo de se remodelar e se ajustas às suas próprias falhas?
abraços,
Enzo
Olá, Isa.
Até agora não houve falência de empresas fora do setor financeiro (bancos e corretoras). Quanto a estas, creio que quebraram porque reagiram mal à conjuntura americana de taxas de juros muito baixas, durante muitos anos - isso acabou levando à busca ansiosa por lucros em operações financeiras duvidosas, como as hipotecas suprimes.
Olá, Enzo,
Tentando responder à sua pergunta, que de certa forma também é a da Isa, acredito que o resultado da crise será um fortalecimento do Estado, e dos mecanismos de regulação, pelos próximos anos.
Mas tudo isso é cíclico, e certamente haverá outras crises no futuro que modificarão as coisas, levando a medidas mais liberais. Como se vê, estou quase um hindu, só os ciclos são eternos.
Abraços
Mauricio,
Ótimo post, mas eu gostaria de saber como você enxerga o impacto dessa crise na China e como isso pode prejudicar/ajudar aquele país.
Salve, Hugo.
Me parece que a China é o país mais bem preparado para enfrentar esta crise. Até agora, o impacto que houve por lá foi uma ligeira redução do crescimento do PIB, que caiu para 9% ao ano - uma taxa absurdamente alta para qualquer outra nação.
O curioso é que a China, em conjunto com outros países asiáticos, é uma das maiores detentoras de dólares e títulos da dívida pública dos EUA, o que em grande medida ajuda a sustentar o valor da moeda americana. Estranho, não?
Abraços
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