segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O Mundo Pós-Americano



Há poucos dias mencionei de passagem o livro “The Post American World”, do cientista político Fareed Zakaria. A obra me chegou pelo correio num pacote da Amazon, junto com uma série de estudos sobre a Índia, e foi minha leitura do fim de semana.

Primeiro, algumas palavras sobre o autor: Zakaria é indiano. Seu pai foi vice-presidente do poderoso Partido do Congresso, sua mãe editou um dos principais jornais do país. O rapaz cresceu numa mansão do aristocrático bairro de Malabar Hills, em Mumbai (Bombaim) e optou por cursar a universidade Yale nos Estados Unidos, em formação acadêmica que culminou com o doutorado em Harvard. Foi o editor mais jovem da revista Foreign Affairs, apresenta um programa sobre política internacional na CNN e coordena as edições internacionais da Newsweek. Escreveu três livros, incluindo uma obra-prima (“From Wealth to Power: the unusual origins of America´s World Role”). Vem sendo apontado como um novo Kissinger ou Brzezinski, um imigrante capaz de ascender aos mais altos cargos da diplomacia americana.

Passemos às idéias. O argumento central do livro é que a ordem internacional dos próximos anos será marcada pela ascensão de potências fora do eixo tradicional EUA-Europa, em virtude da difusão do desenvolvimento econômico e da integração bem-sucedida de Estados periféricos à economia global. Embora Zakaria afirme que os astros emergentes estão em toda parte, inclusive América Latina e África, os países que ele realmente destaca são todos asiáticos: China e Índia. Com menções mais do que ocasionais, e sempre elogiosas, ao Brasil.



Zakaria chama a China de “o desafiante” e a Índia de “a aliada”. Obviamente, as duas classificações dizem respeito à posição desses países diante dos Estados Unidos. Apesar de indiano de nascimento e criação, o autor usa a expressão “nós, os americanos”, ainda que fale do desenvolvimento de seu país natal com grande admiração. Ele não compra a tese do “choque de civilizações”. Seu argumento é que o melhor caminho para os Estados Unidos prosperarem no mundo pós-americano é buscar a parceria com a Índia, em função de seus valores e interesses comuns (democracia, contenção da China) e reforçar/reformar as instituições multilaterais, para dar mais espaço à participação dos países em desenvolvimento. É quase uma plataforma para se candidatar a Secretário de Estado ou Conselheiro de Segurança Nacional.

O ponto forte do livro, sem dúvida, são as análises sobre a Índia. Zakaria conhece profundamente o país e tem uma visão ampla e crítica dos erros e problemas nacionais, em particular em suas estratégias de desenvolvimento econômico e política externa. Gostaria no entanto que ele abordasse mais a questão dos papéis que a Índia pode desempenhar na Ásia, porque a discussão se concentra muito na relação com os Estados Unidos e nas fascinantes semelhanças entre os dois países. Talvez de modo inevitável, dada a biografia do autor.

As análises sobre a China não são tão ricas, mas o grande “senão” do livro é ausência de discussão profunda a respeito da Rússia. O que fazer com o poderio ressurgente de Moscou? A pergunta tem ressoado entre os EUA e as capitais da União Européia, sem que se tenha conseguido formular uma resposta unificada ou coerente, diante das tensões que envolvem a guerra no Cáucaso, corrida armamentista e cooperação/conflito em programas de energia e de cooperação tecnológica espacial.

2 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Pessoalmente, näo creio que as similitudes entre os EUA e a Índia sejam fundamentáis pra formar uma aliança. Para nós, latino-americanos, é quase uma brincadeira pensar que os EUA väo apoiar um pais por ser democrático. Sem tentar fazer preconceitos do autor, tenho a impresäo de que é, em boa medida, uma expresäo de desejo a ideia do eixo EUA-Índia.
Saludos da Argentina!

Patricio Iglesias

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Sem dúvida, os Estados Unidos não tiveram problemas em se aliar a várias ditaduras, como nós, latino-americanos, bem sabemos.

A questão é que sua aliança com a Índia vem sendo construída não só na relação entre governos, mas também no intercâmbio entre as duas sociedades. Há uma grande quantidade de indianos vivendo nos EUA e se destacando profissionalmente, sobretudo no setor da informática.

A força e vitalidade da cultura democrática indiana é muito grande e ela oferece uma vantagem extra para os EUA: estabilidade política, numa região marcada por ditaduras e fundamentalismos.

Abraços