quarta-feira, 4 de julho de 2007

Barack Obama


Os comentários no último post me estimularam a escrever mais sobre questões raciais nos EUA, em especial a pré-candidatura de Barack Obama à presidência. Não é a primeira vez que um negro é cotado para o cargo – isso já ocorreu com o reverendo Jesse Jackson e houve especulações parecidas com o general Colin Powell. Contudo, os dois eram figuras de prestígio em outras áreas que tentaram utilizar sua reputação para uma carreira política. Obama é um caso à parte, pois trata-se de um político profissional. Seu sucesso depende unicamente do que é capaz de realizar nesse campo.

Filho de pai queniano negro e de mãe americana branca, nasceu no Havaí e passou a infância na Indonésia. Os pais eram pobres que ascenderam à classe média graças a bolsas de estudos e programas de auxílio governamentais, o filho brilhante cresceu em boas condições, estudou em Columbia e Harvard e lecionou direito constitucional em Chicago. Na cidade, trabalhou em movimentos comunitários e nos grupos anti-racismo. É o Sonho Americano encarnado, com forte componente de preocupações sociais.

A carreira política começou em Illinois, onde foi senador estadual. Em 2004, foi eleito para o senado federal. E ganhou fama nacional com um discurso na Convenção Democrata daquele ano. O partido investiu no jovem parlamentar, indicando-o para o Comitê de Relações Exteriores, um dos mais importantes do Congresso. Nessa posição, conhece os principais líderes mundiais e ganha conhecimento das questões diplomáticas e militares. Verdadeira escola de estadistas.

Os problemas: Obama não tem nenhuma experiência no Poder Executivo. Há quem acredite que ele pode jogar com isso, na medida em que há um repúdio de muitos eleitores americanos aos políticos tradicionais. Acredito que seria verdadeiro se ele disputasse um governo estadual (vide o fenômeno Schwarzenegger na Califórnia). Mas a presidência é outra história.

Uma segunda questão é que há certa relutância do movimento negro americano com relação a Obama, porque ele cresceu num ambiente bastante protegido de tensões raciais e seus pais não participaram das lutas épicas dos anos 60. Ele tem manejado a dificuldade de modo hábil, como no discurso que deu em Selma, palco de um dos conflitos mais importantes da época. Seu argumento é que um casal multirracial como seus pais jamais poderia ter se concretizado se não fosse pelo movimento dos direitos civis: “Então não me digam que não tenho nada a ver com Selma, Alabama. Não me digam que não estou em casa em Selma, Alabama.” De arrepiar. Um amigo brasileiro que mora nos EUA me disse que o mais encantador em Obama é que ele realmente parece sincero nas coisas que diz.

Pode ser, mas suas posições políticas são calculadas de maneira cuidadosa. Por exemplo, tem posturas reformistas moderadas em questões raciais, com um discurso de conciliação e integração. A mesma preocupação centrista aparece em temas como política externa e política social. A Economist se queixa da imprecisão de seu discurso. Acho que ele é muito esperto e pratica o que alguns teóricos chamam de “política da presença” - sua própria história de vida é um enorme atrativo, para além de suas idéias. Tem muito apelo para os jovens americanos, que as pesquisas indicam estar numa significativa guinada à esquerda.

Em suma, é um político para se observar com muita, muita atenção, neste dia em que os americanos comemoram o aniversário de sua independência.

12 comentários:

Paulo Gontijo disse...

Acho que num páreo Hillary/Obama o Obama é o candidato preferido dos republicanos. A impressão que eu tenho é que ele tem um estilo meio Celso Pitta (Não vote em mim pq eu sou negro; não deixe de votar em mim pq eu sou negro).
Porém, acho que ele não tem força contra o Giuliani ou um Fred Thompson. Contra eles só uma Hillary mesmo.

Rodrigo Cerqueira disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rodrigo Cerqueira disse...

Perdoe-me por não partilhar da sua empolgação pelo Obama, Maurício, mas ver o partido republicano perder uma eleição para uma mulher ou para um negro é algo que não tenho esperança de ver. Pelo menos nesta vida.

Maurício Santoro disse...

Salve, Paulo, salve, Rodrigo.

Não conheço o cenário eleitoral bem o suficiente para avaliar como será a reação do "median voter" americano diante de um candidato negro. Minha impressão inicial está mais para a opinião de vocês, mas fiquei bem intrigado com o dado da Economist que aponta que 90% dos eleitores topariam um candidato negro.

Me parece que o problema principal de Obama é mais a inexperiência do que a cor da pele. Além disso, acho que é bem provável que ele aproveite o entusiasmo que despertou e consiga uma vaga de vice-presidente numa chapa encabeçada por Hilary Clinton.

Mas estou bem interessado em ver como será a disputa de 2008. Por exemplo, será que os republicanos colocariam também um negro na chapa? Afinal, o partido conta com quadros da qualificação de Colin Powell.

Abraços

Geraldo Zahran disse...

Deixa eu dar um pitaco do que tenho ouvido por aqui. Aparentemente a candidatura do Obama é pra valer sim. Ele tem ido muito bem na arrecadação de fundos para campanha. Ao mesmo tempo que é inexperiente também é uma figura relativamente nova em Washington. Dos dois lados da disputa, ele é o único que realmente representa mudança. Dos democratas é o que está mais ao centro, e pode facilitar o diálogo com os republicanos. Andou até se consultando com o Powell sobre política externa.

De todos os democratas, a Hillary é a que tem o maior índice de rejeição. O Giuliani apesar de ser um nome forte tem muitos esqueletos no armário. E o McCain, o mais conservador de todos, só deve ter chance se essa administração começar uma nova guerra. O Thompson foi muito bem enquanto estava fora da corrida; agora a história é outra. Aparentemente ele pode ser um candidato viável para o partido.

Minha impressão inicial sobre o Obama era de que ele era jovem demais, e que não teria chance. Por tudo que tenho ouvido aqui mudei de idéia. A perspectiva de sua candidatura existe mesmo.

Maurício Santoro disse...

Salve, Geraldo.

É verdade, esqueci de mencionar que Obama tem se saído muito bem na arrecadação de dinheiro para a campanha.

Obrigado pelo seus comentários sobre os diversos pré-candidatos. Abusando da sua paciência, o que você ouviu sobre Mitt Romney? É impressionante como ele tem uma vida certinha, parece o pai de família de uma sitcom dos anos 50. E embora defensa posições muito conservadores, conseguiu ser eleito governador de um estado liberal como Massachusets.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Näo só estäo Hillary e Obama como candidatos dos sectores da sociedade que nunca tiveram representacäo, também há um hispano, Robinson, filho duma mexicana e um americano, gobernador de Novo México, mas mais atrás nas estadísitivas do que os outros dois.
Espero que seja um cambio real na sociedade dos EUA
Saludos!

Glauco Paiva disse...

De Jim Crow a Obama em menos de um século... É de arrepiar, não? Mas eu ainda acho que a Sra. Clinton leva as prévias democratas. Mas mesmo enxergando sob esse prisma, ele daria um forte vice-presidente. Seria uma chapa e tanto....

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Pois é, embora falemos dos negros, os hispanos estão conquistando poder poítico muito rapidamente, de prefeituras de grandes cidades como Los Angeles a governos estaduais. Não demora até entrarem em chapas presidenciais.

Grande Glauco,

Para frente é que se anda, apesar de às vezes a história dar a impressão de que segue a trajetória dos bêbados.

Abraços

Patrick disse...

Posso estar especulando, mas notei ao ver o Obama na CNN e no Youtube que ele, possivelmente por ter sido criado por uma mãe branca, não tem o típico sotaque do negro americano. Será que isso torna sua imagem mais palatável ao americano médio?

Maurício Santoro disse...

Patrick,

acho que tem mais a ver com o nosso esteriótipo a respeito dos sotaques dos negros americanos, com as gírias da música e do cinema. Não acho que Powell ou Condoleezza Rice falem dessa maneira, e ambos são filhos de pais e mães negras (embora os pais de Powell fossem imigrantes jamaicanos).

Abraços

Anônimo disse...

A revista do jornal The Observer deste fim de semana traz uma matéria enorme sobre como as kits de 'genética em casa' estão mudando as percepções de raça dos americanos. O artigo comenta sobre o resultado do teste de DNA do Obama, que aparentemente descende de uma família que possuía escravos. Bem interessante - o texto é longo, mas vale a leitura: http://observer.guardian.co.uk/magazine/story/0,,2124456,00.html