sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Elementos do Plano de Defesa do Brasil


Quando o Brasil voltou a ser uma democracia, a elite política retirou da agenda o debate sobre segurança nacional, que estava muito associado à ditadura. Além disso, a escassez de recursos nas décadas de 1980/1990 não estimulava investimentos nas Forças Armadas. Isso começou a mudar. Foram elaborados dois grandes conjuntos de diretrizes dessa política, por FHC (1996) e Lula (2005). Mas ainda genéricos, sem detalhes. Agora está para ser divulgado o Plano Estratégico de Defesa, que deverá explicar como serão alcançados os objetivos definidos nos documentos anteriores. Vem em conjunto com o aumento de 50% no orçamento militar.

O Plano deveria ter sido lançado no Dia da Independência, mas houve atrasos decorrentes de pontos polêmicos e o texto deverá ser apresentado ao público em duas semanas. Já é possível ter acesso ao essencial de seu conteúdo, a partir de artigo do ministro da Defesa, Nelson Jobim e de reportagem na revista “Desafios do Desenvolvimento”, editada pelo Ipea, que se concentra na outra autoridade responsável pelo Plano, o ministro de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger (acima, os dois com o presidente Lula).

O Plano foi construído como um tripé: 1) Reformulação das Forças Armadas; 2) Vínculos entre Defesa e desenvolvimento industrial, científico e tecnológico; 3) Serviço militar obrigatório.

Comecemos pelo tradicional, o ponto 2. Desde a Primeira Guerra Mundial (ou mesmo antes, com os positivistas do Império) as Forças Armadas se preocupam com os temas do desenvolvimento e as iniciativas na área se multiplicaram após a Revolução de 1930, com intensa participação militar em setores como petróleo, energia nuclear, telecomunicações, aviação etc. O planejamento de expandir a Marinha e modernizar a Força Aérea oferece oportunidades excelentes para a pesquisa em ciência e tecnologia e fortalecimento da indústria naval e da Embraer.

O serviço militar obrigatório é controverso. Gostaria que fosse extinto. A tendência internacional são Forças Armadas formadas por voluntários, alistados por períodos longos, pois o soldado atual necessita de conhecimentos avançados, que dificilmente um recruta aprende em um ano. Mas as autoridades debatem expandi-lo para atrair jovens de classe média e melhor formação educacional. A conferir.

No primeiro ponto, Jobim elenca hipóteses de emprego militar que abordam segurança pública, guerrilha colombiana e as crises andinas, missões da ONU e o velho fantasma dos Estados Unidos na Amazônia - válido como exercício teórico, mas que a meu ver ganhou dimensão exagerada na reflexão brasileira.



O Plano trata bastante da América do Sul. O Brasil já teve política externa belicosa na região, sobretudo na Bacia do Rio da Prata, entre 1820-1870. Conseqüência de situação explosiva, de fronteiras ainda não definidas. O pacifismo nas relações exteriores se consolidou com a República, com as negociações de Rio Branco, que eliminou as disputas territoriais do país – para sempre seja louvado! Nesse contexto, Forças Armadas servem como instrumento de dissuasão. Lembrete do que pode ocorrer quando o diálogo fracassa – acima, a recente manobra em Santa Catarina e no Paraná, em que tropas se deslocaram até Foz do Iguaçu, em exercício ligado à situação tensa dos brasileiros proprietários de terras no Paraguai.

O modelo funcionou bem. Apesar de tensões ocasionais com a Argentina, o Brasil do século XX evitou as guerras, ao contrário de Peru, Equador, Bolívia, Paraguai e, evidentemente, da própria Argentina, com a tragédia das Malvinas.

Não acredito que os problemas atuais revertam o quadro, mas exigem um esforço de reflexão das autoridades brasileiras. Daí a importância de criar novas instituições, como o Conselho Sul-Americano de Defesa, para estimular o diálogo e colocar algodão entre os instáveis cristais da região.

5 comentários:

Patricio Iglesias disse...

"o Brasil do século XX evitou as guerras, ao contrário de Peru, Equador, Bolívia, Paraguai e, evidentemente, da própria Argentina, com a tragédia das Malvinas"

É um profundo dor pra mim. Pensar que Argentina tinha uma forte tradiçäo pacifista e foi arruinada por umos innombráveis que, em lugar de ajudar na recuperaçäo da "Patria irredenta", mandaram à morte a centos de jovens e complicaram a reivindicaçäo histórica do pais, servindo de exelente argumento aos ocupadores. Sinta se agradeçido de ter governos muito mais inteligentes do que os nossos! HEHEHE
Saludos!

Rodrigo Cerqueira disse...

Salve Maurício,

Eu já estou careca de discutir com meus alunos de Política Externa Brasileira a necessidade de voltar a pensar a segurança e a inserção estratégica do país, mas vejo no debate com eles que a resistência da sociedade a esse tipo de gasto ainda é grande. Muitos deles prefeririam investir na solução de outros problemas. E olha que estamos falando de alunos de Relações Internacionais no sétimo período. Eu, particularmente, não vejo como ampliar a presença internacional do país sem que tenhamos Forças Armadas bem equipadas e um plano de Defesa e Estratégia eficiente. E quanto mais participação da sociedade nesse debate, melhor.

Me fala uma coisa: tu já foi para Brasília? E teus e-mails, continuam valendo? Te mandei uma mensagem para os e-mails do Iuperj e do Ibase, que são os que tenho.

Maurício Santoro disse...

Caro Patricio,

Um dos muitos pecados das ditaduras militares argentinas foi ter descartado a tradição pacifista que o país havia mantido no início do século XX, com a Doutrina Drago e as ênfases na neutralidade e no desarmamento.

Admiro várias posições assumidas pelos governos da redemocratização argentina, em particular os esforços para punir os repressores da era autoritária, a primazia concedida às missões da ONU e a criação dos "Capacetes Brancos" para auxílio humanitário.

Salve, Rodrigo.

Me parece que ainda existe uma velha guarda dos estudos de Defesa com uma abordagem que dá para caricaturar como "tamanho de míssil". É claro que quando essas pessoas saem por aí bradando que o Brasil deve comprar tantos submarinos ou não sei quantos blindados, o debate não prospera. Há necessidades sociais mais urgentes.

O que mais me interessa no Plano de Defesa é a possibilidade de desenvolvimento científico/tecnológico associado à Defesa. E há projetos interessantes para redefinir o Exército, tornando-o organizado em unidades menores, de maior mobilidade, mais voltadas ao Centro-Oeste e ao Norte.

Já li e respondi seu email.

Abraços

Anônimo disse...

Oi, Maurício,
No começo do mês aproveitei o gancho do Plano Nacional de Defesa para discutir como a atuação das Forças Armadas no Haiti acelerou a proposta de emprego em situações de garantia de lei e ordem aqui dentro do Brasil. Fiz um post sobre isso lá no blog. Segue a indicação.
http://aloisiomilani.wordpress.com/2008/10/13/haiti-inocula-parte-do-plano-nacional-de-defesa/

Maurício Santoro disse...

Oi, Aloisio.

Exatamente! Tenho conversado com amigos diplomatas sobre a importância da Minustah para o treinamento dos militares em operações de GLO. Isso ficou claro nessas ações recentes, em meio às eleições.

Abraços