quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Perspectivas de Cristina Kirchner



Reproduzo abaixo artigo que publiquei ontem na RelNet:

Os Kirchner realizaram o sonho dos Clinton. A vitória da primeira-dama e senadora Cristina Fernández de Kirchner nas eleições presidenciais de 28 de outubro consolida o casal como principal liderança política da Argentina. A senadora tem longos anos de experiência como parlamentar e mais capacidade de diálogo e negociação do que o marido. Sua chegada à presidência desperta expectativas de como lidará com os problemas na economia e na política externa.

Néstor Kirchner foi eleito presidente em 2003 com apenas 22% dos votos. Em seus dois primeiros anos na Casa Rosada teve que lidar com a complexa retomada do crescimento econômico a e com a luta de poder pelo controle do peronismo. Manteve o hábil ministro da Economia Roberto Lavagna, herdado de seu antecessor Eduardo Duhalde, ao mesmo tempo em que disputava com este a chefia do Partido Justicialista. O triunfo veio nas eleições parlamentares de 2005, quando Cristina Kirchner derrotou a esposa de Duhalde, Hilda, na contenta por uma vaga como senadora pela província de Buenos Aires. Lavagna deixou o governo.

A fragilidade da base política do presidente levou a práticas agressivas e centralizadoras. Internamente, isso significou um governo com poderes muito concentrados no círculo íntimo da Casa Rosada, incluindo a primeira-dama Cristina e os ministros Alberto Fernández e Julio de Vido. Houve repetidos escândalos de corrupção entre o primeiro escalão do governo e intervenções políticas no instituto estatístico, o Indec, que levaram a acusações de que as autoridades manipulam os índices de inflação, que aumentaram muito em função do crescimento dos gastos governamentais e do reaquecimento da economia.

Externamente, Kirchner assumiu por vezes posturas nacionalistas intransigentes, que resultaram em tensões com o Brasil (por temas que iam do pleito brasileiro a lugar permanente no Conselho de Segurança da ONU à controvérsias comerciais no Mercosul) e em grave crise diplomática com o Uruguai, a partir da oposição à construção de fábricas de celulose na cidade uruguaia de Fray Bentos, junto à fronteira entre os dois países. A proximidade com a Venezuela também incomoda muitos setores da opinião pública argentina.

A senadora nunca foi marionete passiva dos planos do marido. Formou-se em Direito pela Universidade Nacional de La Plata e conheceu Kirchner quando ambos militavam na Juventude Peronista. Casaram-se em 1975, pouco antes do golpe militar, e mantiveram-se afastados da luta armada, trabalhando como advogados na província de Santa Cruz. Cristina entrou para a política local em 1985 e desde então exerceu diversos mandatos como vereadora, deputada provincial e nacional e senadora. Tornou-se conhecida nacionalmente primeiro do que marido e já tinha o apelido de “furacão” antes de se tornar primeira-dama.

Em 2006 as especulações eram fortes de que Cristina seria candidata à presidência e ao longo do ano ela realizou diversas viagens internacionais, nas quais procurou projetar imagem de Estadista e de defensora dos direitos humanos. Em contraste com o marido, pouco à vontade nas relações externas, Cristina mostrou desenvoltura em negociações com líderes conservadores, como Sarkozy na França e Calderón no México. Também é notável a relação que desenvolveu com o casal Clinton nos Estados Unidos, que a recebeu com honras em sua última visita ao país, em setembro de 2007. Eventual vitória democrata na corrida à Casa Branca aproximaria EUA e Argentina, com base em temas como as posições comuns contra o Irã – o país é acusado de patrocinar dois sangrentos atentados contra alvos judaicos em Buenos Aires, em 1992 e 1994.

A eleição de Cristina coloca dois dos principais países do Cone Sul sob o governo de mulheres. Como será sua relação com a presidente chilena, Michelle Bachelet? A excelente relação econômica entre Argentina e Chile enfrenta dificuldades. Por conta da crise de abastecimento energético argentino, o país cortou exportações de gás aos chilenos. A maior flexibilidade negociadora de Cristina aponta ao menos para perspectivas positivas de sair do impasse.

5 comentários:

IgorTB disse...

Embora os principais temas políticos tenham sido evitados durante a campanha eleitoral, confesso que achei auspiciosas as primeiras declarações da nova presidente.

Em termo de política externa, afirmou logo de cara que quer sentar para conversar com os "hermanos" uruguaios e que a América Latina será sua prioridade. A primeira viagem já está marcada para Brasília e, pelo que li no jornal, em um telefonema de felicitações, rolou o convite do Bush para que ela fosse a Washington. Talvez, o texano esteja com tentando recuperar terreno face aos Clintons.

Vejamos as cenas dos próximos capítulos.

André Luiz Nahon Góes disse...

alguém comentou o resultado da eleição argentina comparando Cristina K. com Rosinha G.
Guardadas as diferenças, fisiologismo, populismo e maquiagem de dados públicos caracterizam as duas famílias.

Maurício Santoro disse...

Olá, Igor.

As primeiras declarações dela foram boas. Minha curiosidade é ver se manterá o chanceler, Jorge Taiana (diplomata de carreira) ou se mudará o ministro.

Autor,

Não dá para comparar. Os Kirchner vêm de uma tradição política muito sólida - mais especificamente, a Juventude Peronista dos anos 70 - e colocaram em primeiro plano boa parte da agenda daquela geração, como a questão dos Direitos Humanos.

Além disso, implementaram uma política econõmica que, embora com problemas, logrou o retorno do crescimento à Argentina. A política cambial, por exemplo, é bem melhor do que a brasileira.

Quanto aos Garotinhos, a única coisa boa que posso dizer de ambos é que já se foram. Oxalá, para sempre.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Näo poderia deixar de falar sob o tema.
Bom artigo. Pra mim resulta muito claro e objetivo. Tal vez deberia ter falado mais sob a Concertacäo Plural (o vicepresidente eleito, Cobos, é um radical K), maquinária que, com o peronismo, chevou a Cristina ao poder.
Quem é Rosinha G.?
Saludos

Maurício Santoro disse...

Salve, Patricio.

Tens razão em sua ressalva - o oficialismo dos Kirchner realmente cooptou muita gente da UCR e me pergunto o que o partido fará daqui para a frente.

Rosinha e Antony Garotinho são um casal de políticos que governou o estado do Rio de Janeiro entre 1998 e 2006, e que não deixou saudades para muitos cidadãos.

Abraços