quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O Descongelamento do Poder Mundial



Noves fora a crise econômica dos Estados Unidos, dois acontecimentos recentes mostram que estamos caminhando para algo como “o mundo pós-americano”, para citar o título do livro de Fareed Zakaria. Os chineses realizaram sua primeira caminhada no espaço, e ontem o Senado dos Estados Unidos ratificou o acordo nuclear com a Índia.

Há quarenta anos entrou em vigor o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), memoravelmente descrito pelo diplomata brasileiro Araújo Castro como um acordo que visava ao “congelamento do poder mundial”. Proibia o desenvolvimento de armas atômicas pelos países que não as tivessem. Estabelecia vagas, muito vagas, promessas de que EUA, URSS, França, Reino Unido e China um dia se desarmariam e seriam felizes para sempre.

Os Estados que aderiam ao TNP recebiam vantagens na forma de cooperação científica e tecnológica, os que se recusavam a assiná-lo eram pressionados a fazê-lo, através de sanções e embargos. Brasil e Índia estiveram entre os principais opositores do acordo. O governo brasileiro mudou de idéia e o ratificou em 1998. No mesmo ano, as autoridades indianas explodiram sua bomba nuclear, durante o governo do partido nacionalista hindu, o Bharatiya Janata. Enfrentaram os Estados Unidos, mas se beneficiaram da ajuda da França e Rússia. O vento acabou mudando em Washington, já no fim da presidência de Clinton. Em grande medida porque a Índia nuclear é boa aposta para se contrapor à China e ao Paquistão, caso este último país desmorone.



Contudo, não basta ter ogivas atômicas, é preciso ter também vetores para lançá-las sobre os inimigos. Bombardeios de longo alcance, submarinos e mísseis. Os indianos têm se dedicado em especial a estes últimos apesar de sofrerem restrições tecnológicas, por não terem aderido a acordos de controles dessa tecnologia. Ainda assim, desenvolveram mísseis sofisticados, como o Agni III (acima), a nova estrela de suas paradas militares.

A China possui armas nucleares desde 1964. Sua maior novidade militar é a expansão de ambicioso programa espacial, que deve levar chineses à Lua em 2020 e construir uma estação espacial. O país já havia colocado um astronauta em órbita e há poucos dias realizou sua primeira caminhada espacial. O coronel que a executou é filho de uma camponesa que vendia sementes de girassol – outra ilustração da incrível mobilidade social do país.



Tais pesquisas têm muitas aplicações civis, mas os recados militares são claros: os foguetes usados nos programas também demonstram a capacidade balística para fins bélicos. Por exemplo, os chineses derrubaram um de seus velhos satélites com um míssil.

Os americanos entendem perfeitamente o risco que esse poder significa, em especial num momento ruim para seu próprio programa. A NASA pode se deparar com a situação humilhante de depender da Rússia para levar astronautas americanos à Estação Internacional – os ônibus espaciais estão para ser aposentados em função do alto custo e da falta de segurança (Challenger, Columbia) e os substitutos só devem operar a partir de 2015.

Como se pode ver pelas menções aos países deste post, o mundo pós-americano é sobretudo um cenário asiático, mas não está claro para mim quais as dinâmicas regionais que se estabelecerão entre os principais atores. China e Índia são rivais há tempos, a Rússia atualmente tem boas relações com os dois. E Japão? Coréia do Sul? Os novos tigres, como Indonésia, Tailândia, Malásia?

7 comentários:

Patricio Iglesias disse...

Caro Maurício:
Brilhante, como sempre. É realmente uma vergonha o desenvolvimento bélico; cifras astronômicas em novas formas de matar hermanos em lugar de lutar contra a pobreça, a ignoráncia e outros fins nóveis. Em verdade pra mim saria uma falta de honor que minha bandeira estivesse ao lado duma ogiva, como a índia com o Agni III.
Saludos!

Leandro Bulkool disse...

Concordo com o Patrício, se esses recursos fossem investidos em outras áreas, o mundo com certeza estaria melhor.

O que me surpreende em relação a esse mundo "pós-americano", é como as nações do oriente conseguem conviver com o choque de tempo e cultura, onde por um lado eles precisam estar abertos ao mundo globalizado, mas possuem posturas do séc. XVIII ou mais antigas.

Maurício Santoro disse...

É, meus caros, estaria. Mas nós vivemos num continente extraordinariamente pacífico: os gastos militares da América Latina são, em proporção ao PIB, os menores do mundo. Mais baixos inclusive do que na África.

Enquanto isso, na Ásia, o poder militar é um elemento essencial dos cálculos diplomáticos, numa região em que a violência internacional tem sido dolorosamente comum: as guerras entre Índia e Paquistão, Índia e China, China e Vietnã, China e EUA (na Coréia), os choques de fronteira entre China e a antiga URSS...

Nós, latino-americanos, temos sorte, e com freqüência esquecemos disso.

Abraços

Glaucia Mara disse...

Palavras, sao apenas palavras. Mais que CRISE, me gostaria que estivessemos falando sobre un AJUSTE na distribuiçao de forças e poder nao só na economia, mas também da política mundial. Todos os grandes imperios cairam, e já era hora de que o imperio americano caisse também. Mas esse furacao economico nao é a causa, e sim a consequencia de uma serie de errores cometidos por EUA que vai proporcionar ao mundo un novo equilibrio.

Anônimo disse...

Antes de mais nada, parabéns pelo blog e por este post em especial, o Idelber não exagerou quando falou bem desta Casa.

Quanto ao post em si, essa é a realidade que viveremos no século 21º, um mundo multipolar com potências maiores e menores, é verdade, mas sem nenhuma supremacia por parte de nenhuma delas.

É fundamental investigar como será esse novo equilíbrio de forças na Ásia com a brutal evolução chinesa e indiana bem como com a reconstrução russa.

Aliás, os russos merecem um capítulo a parte como deixou claro a Guerra da Geórgia. Há muitos assuntos não resolvidos em relação à dissolução da União Soviética.

Também há todas essas mudanças na América Latina com o recuo do poder americano.

Enfim, o Fim da História acabou.

Maurício Santoro disse...

Salve, Hugo.

Pois é, a História voltou - e em grande velocidade. Há muito que quero entender com relação à Rússia, em especial os jogos de poder em que ela se envolve no Cáucaso, no Báltico, e na Ásia Central.

Abraços

Patricio Iglesias disse...

Caro Hugo:
Concordo com você, mas näo numa parte:
"um mundo multipolar com potências maiores e menores, é verdade, mas sem nenhuma supremacia por parte de nenhuma delas"
Penso que o poder dos EUA va cair, mas creo que por muito tempo va ser a principal potência. Até se p. ej. a China virase maior na economia, va ter uma "força inercial" por um tempo mais, produto de um século de primacia que va siguer (suponho) manifesto na influéncia dos medios de comunicaçäo norteamericanos, a ideia no incosciente colectivo deles como "os poderosos", etc. E, se é desplazado, opino que näo va haber um mundo TOTALMENTE multipolar, sempre na história há algum pais mais importante que os outros. Por exemplo, no século XIX havia um mundo "multipolar" (França, Holanda, Rússia, EEUU, Portugal, Espanha, Alemanha, Japäo, etc.) mas também havia um líder, Inglaterra, aunque näo fosse sua supremacia täo marcada como a dos EUA nos '90.
Saludos da Argentina!

Patricio Iglesias