Por Ramon Blanco
Doutorando em Política Internacional e Resolução de Conflitos pela Universidade de Coimbra, em parceria com o Centro de Estudos Sociais
Blogueiro Convidado
Ao se pensar na atual crise das dívidas soberanas na Europa,
muito das atenções tem se dirigido, e não sem razão, para a Grécia. Afinal, foi lá onde a crise foi deflagrada, há quase dois anos. No dia 21 foi aprovada a sexta parcela (€ 8 bilhões) do segundo pacote de empréstimos ao país, que tem valor total de € 109 bilhões. Juntamente com essa nova medida foi acordado com detentores da dívida grega uma redução de 21% no valor dos seus papéis. Na última quarta-feira (26), tal redução chegou a 50% para títulos mãos de credores privados.
Essa sexta parcela chega aos cofres gregos na primeira quinzena de novembro, altura na qual a Grécia já estaria sem dinheiro mesmo para pagar salários e aposentadorias da função pública. Contudo, apesar dos elevados valores, tais montantes deixam a Grécia respirar por apenas alguns curtos meses. Já há estudos que colocam as necessidades gregas para a próxima década perto dos € 440 bilhões e a sua dívida em 170% do PIB em 2012.
Entretanto apesar da gravidade, e elevado valor dos números, ainda se está falando de uma situação de certa forma gerenciável em termos da União Européia. É preciso lembrar que, coletivamente, a UE tem o maior PIB do mundo e tais valores são uma pequena parcela do mesmo. A questão central de toda a crise é que esta nunca foi tratada enquanto um problema europeu, e sim grego. E isso faz toda a diferença. Assim, nessa linha de raciocínio, o grande receio do eixo franco-alemão, que é quem efetivamente lidera a Europa hoje, é o contágio da crise para outras economias européias, principalmente Espanha, Itália, e até mesmo França.
A seguir à Grécia, dois outros países europeus já sofreram intervenções financeiras por parte do Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Européia (a chamada troika) – Irlanda e Portugal. Observando as medidas recentemente adotadas, e o Orçamento de Estado (OE) proposto pelo governo – empossado em Junho desse ano e liderado pelo Partido Social Democrata (PSD), em coligação com o Partido Popular (CDS-PP) – para o ano de 2012, pode-se dizer que é bem possível assistirmos a Portugal caminhar para uma realidade vista na Grécia. Não tanto pela violência observada na contestação social, mas sim pelo acentuar do desemprego, perda de conquistas sociais, e grande possibilidade de não pagamento da sua dívida. Na sequência da recente visita do Primeiro-Ministro (PM) português ao Brasil, vale a pena olhar com um pouco mais de atenção para a realidade portuguesa.
Desde o primeiro trimestre de 2010, Portugal passa por série de pacotes de medidas de austeridade – como por exemplo, a redução das deduções fiscais, o aumento de impostos, o corte de salários de funcionários públicos e a redução de programas e subsídios sociais – com o intuito de lidar com a sua dívida. Em março, o governo acordou com a Comissão Européia novo pacote de medidas de austeridade – o quarto em doze meses – sem nenhuma consulta tanto à Assembléia da República (AR) quanto à Presidência. Ao ter tal pacote recusado pela AR, o governo teve a sua margem de governabilidade posta em causa, o que levou a sua queda e a convocação antecipada de eleições.
Em abril, o governo já demissionário
assinou acordo com a troika visando um pacote de empréstimos para Portugal. A contrapartida seria a profunda reestruturação da economia e sociedade portuguesa. Pedro Passos Coelho, líder do PSD, foi eleito Primeiro-Ministro com uma agenda neoliberal de redução do tamanho do Estado e do papel deste na economia. O argumento apresentado era de que dessa forma a economia ficaria mais ágil e dinâmica.
Entretanto, o que se assiste, para a surpresa, e muitas vezes desespero, de muitos portugueses é um verdadeiro parar da economia. Logo que toma posse do governo, e dos números do Estado, Passos Coelho depara-se com grandes rombos – má execução orçamentária do primeiro semestre (ainda do governo anterior), um buraco no Banco Português de Negócios, e um enorme déficit nas contas da Região Autônoma da Madeira. Para o PM, tais desvios na execução do orçamento de 2011, em comparação à previsão feita no acordo com a troika, são superiores a € 3 bilhões.
De forma a chegar no limite do déficit acordado com a troika de 5,9% do PIB, em contraponto com os atuais 8,9%, o governo toma medidas de austeridade emergenciais. Alguns exemplos são o aumento nos preços dos transportes públicos, a subida de 6% para 23% no imposto sobre o gás e a eletricidade, e o corte pela metade dos subsídios de natal (equivalente ao 13º brasileiro) de todos os trabalhadores. No OE para 2012, além da subida de impostos em alguns escalões salariais e em diversos tipos de produtos e serviços, maior redução de deduções fiscais, privatizações de empresas chave, e redução de bens sociais, há o corte integral dos subsídios de natal e de férias para os funcionários públicos e aposentados para os próximos dois anos.
Em seu conjunto, todas as medidas retiram grande parte do dinheiro dos bolsos dos cidadãos e, em última análise, da economia. Isso levará Portugal a ter uma grande possibilidade de não conseguir pagar a sua dívida. O racional é simples. Com os tipos de impostos aplicados – sobre a produção, o consumo e a renda – tanto os produtos ficam mais caros, quanto as famílias têm menos dinheiro disponível para consumir. Somados, esses dois elementos levam a uma queda acentuada no consumo dentro da economia. Com menos consumo na economia, há por um lado menos produção de bens e serviços, e, por outro lado, menos incentivo para os empresários para arriscarem novos negócios ou expansões dos seus negócios atuais. Com isso, há menos produção de bens e serviços, o que gera não só menos contratação de funcionários, mas principalmente mais despedimentos de trabalhadores. Com menos trabalhadores com dinheiro disponível para consumir, há menos produção e menos incentivo para empreender novos negócios. Além disso, aqueles que ainda estão empregados, ao observar essa realidade negativa, passam a ter grande incerteza sobre os seus próprios futuros o que os leva a adiar, ou mesmo retrair, o seu consumo.
É dessa forma que a economia entra rapidamente em uma espiral negativa. A questão é que com menos consumo e menos produção, há uma redução drástica na arrecadação de impostos. Assim, a receita do Estado português irá decrescer acentuadamente nos próximos meses, o que fará com que tenha menos dinheiro para pagar suas dívidas. Esse caminho não só levará Portugal a não conseguir pagar as suas dívidas, mas literalmente matará a economia portuguesa quando esta mais precisa de se estar viva e vibrante para fazer frente às dificuldades externas e de seus cidadãos. É simplesmente deparar-se com um abismo e ver como melhor solução o passo à frente.
Já houve tempos em que os médicos, visando o tratamento de algumas doenças, praticavam a sangria – o que literalmente significava deixarem os pacientes sangrarem com o intuito de os curar. Obviamente, muitos pacientes morriam e assim a “solução” tirava mais do que salvava vidas. Felizmente, a Medicina aprendeu com os seus erros e tendo em vista a sua razão de ser – salvar vidas – avançou. Assim, tal técnica, além de desacreditada, foi praticamente abandonada enquanto tratamento médico. Não precisamos de uma medicina que mata mais do que salva. Na Economia, por outro lado, ainda assistimos à adoção de medidas que largamente ignoram as vidas das pessoas. Medidas estas que fundamentam-se em teorias econômicas que já evidenciaram falhas graves, tanto teoricamente quanto na prática. Uma economia que não tem como objetivo central, de uma forma sustentável, melhorar a vida das populações e dos seus indivíduos, além de não ser necessária, é bastante perigosa para a vida destes. Não precisamos de uma economia que mais destrói do que cria valor.